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Jogos de Guerra

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Coluna semanal com reportagens exclusivas sobre assuntos militares, indústria bélica, forças armadas, zonas de conflito e geopolítica, com o jornalista Luis Kawaguti. Assista também à live semanal no canal do YouTube da Gazeta do Povo.

Guerra no leste europeu

Modelo soviético? Ucrânia denuncia emigrações forçadas para o interior da Rússia

Refugiados de Mariupol abrigados temporariamente em um ginásio escolar em Taganrog, na região russa de Rostov (Foto: EFE/EPA/ARKADY BUDNITSKY)

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Autoridades da Ucrânia estão acusando a Rússia de forçar centenas de milhares de cidadãos ucranianos a emigrar para o interior da Rússia. A ação vem sendo equiparada na Ucrânia aos movimentos forçados de migração promovidos na era soviética.

Segundo Liudmyla Denisova, comissária de direitos humanos do Parlamento ucraniano, ainda não é possível dizer com precisão quantos ucranianos foram forçados a entrar na Rússia. Ela se baseou em uma estatística do Kremlin que diz que 400 mil ucranianos cruzaram a fronteira, sendo 84 mil deles crianças.

Moscou, por sua vez, afirma que essas pessoas decidiram espontaneamente procurar abrigo no lado russo da fronteira. Para a Rússia, eles foram resgatados - e não forçados a emigrar. Mas nenhuma fonte independente confirmou os números.

O governo de Vladimir Putin alega que um dos objetivos da guerra na Ucrânia é proteger um contingente de russos étnicos que estariam sofrendo abusos de direitos humanos por parte do governo de Volodymyr Zelensky.

Nesta quinta-feira (24), a Rússia divulgou imagens de seus soldados distribuindo comida e mantimentos para a população de Mariupol, que está sitiada e enfrentando falta de água, comida e energia elétrica.

Até o fechamento desta coluna, o Kremlin não havia se posicionado oficialmente sobre a acusação ucraniana de emigração forçada de seus cidadãos.

Apesar de ter baseado sua acusação em uma estatística russa, o governo ucraniano afirmou ter evidências concretas de que 15 mil pessoas foram detidas nas cidades ucranianas de Mariupol, Volnovakha (perto de Mariupol) e Stanytsia Luhanska (em Lugansk) e depois obrigadas a emigrar para a Rússia.

De acordo com a parlamentar Denisova, o governo ucraniano criou um telefone ao estilo disque-denúncia para apurar crimes de guerra. Por ele, as autoridades teriam recebido milhares de denúncias sobre emigração forçada. Muitos denunciantes teriam apresentado como evidência documentos dos parentes forçados a emigrar.

Muitos denunciantes disseram ter conversado com os familiares por telefone. Eles teriam afirmado que estavam sendo levados para localizações desconhecidas no interior da Rússia, segundo a parlamentar.

Segundo as denúncias, as pessoas foram obrigadas por militares russos a sair de suas casas e embarcar em ônibus. Foram então levadas para a cidade russa de Taganrog ou para territórios ocupados em Lugansk - onde estariam funcionando centros de triagem de refugiados.

A partir desses centros, ao menos 6 mil ucranianos já teriam sido levados para as cidades de Tomsk e Omsk, situadas na região central da Rússia, cerca de 3 mil quilômetros a leste de Moscou (e a 4 mil quilômetros da Ucrânia).

O governo ucraniano também diz ter obtido evidências de que parte dos cidadãos forçados a entrar na Rússia teria sido levada para Sakhalin, uma ilha russa no Pacífico que tem parte de seu território disputado pelo Japão.

Denisova afirmou que a Justiça ucraniana está investigando todas as denúncias e já teria recolhido evidências de que essas pessoas tiveram seus passaportes apreendidos - supostamente para dificultar sua saída da Rússia.

A acusação ucraniana ocorre em meio a uma guerra informacional entre Ucrânia e Rússia.

Se comprovada, a emigração forçada de grandes contingentes de ucranianos seria a repetição de uma prática usada na era soviética - especialmente no governo de Josef Stálin.

Os objetivos das migrações forçadas eram combater minorias étnicas ou grupos que se opunham ao governo ou também enfraquecer identidades nacionais e fortalecer o coletivismo soviético.

Estima-se que mais de 3,5 milhões de pessoas de 50 diferentes nacionalidades foram deslocadas à força no território da então União Soviética. A maioria delas foi retirada do oeste da Rússia, parte do país situada no continente europeu, e depois levada para a parte asiática da nação.

A própria Ucrânia recebeu contingentes de russos e de minorias étnicas que hoje compõem parte de sua população, especialmente no leste do país. A estratégia da Rússia, segundo analistas, era diminuir o nacionalismo ucraniano.

As áreas onde a maioria desses contingentes se concentra ficam na região de Donbass, onde ficam as províncias separatistas de Donetsk e Lugansk, que foram tomadas por rebeldes financiados por Moscou em 2014.

Lá, muitas pessoas têm ascendência, identificação cultural e até familiares morando na Rússia. Mas isso não significa que toda a população da região queira ser “libertada” da Ucrânia, como afirma Moscou.

“Eu nasci e cresci em Lugansk e não me sentia uma russa, eu sempre me senti ucraniana. Eu falo russo, mas isso não significa que eu queira ir para a Rússia”, disse Zarina Mariarhyna, de 24 anos.

“Depois de me formar na escola, não pensava em fazer universidade na Rússia, somente na Ucrânia. Sempre ia em excursões para Kiev (capital ucraniana) e Lviv (oeste do país). Antes da guerra, eu achava que até éramos parecidos com os russos, mas agora tenho certeza de que somos 100% diferentes”, disse ela.

Não é possível dizer que a maioria dos ucranianos refugiados que entraram na Rússia durante a guerra - mais de 400 mil segundo Moscou e 270 mil segundo a ONU - agiram de forma forçada.

Muitos foram motivados por decisão pessoal e alguns influenciados pela propaganda. Segundo Mariarhyna, como Lugansk está isolada do resto da Ucrânia, os russos têm difundido a informação falsa de que Kiev já foi tomada e que não resta opção aos cidadãos a não ser se entregar.

“Soube que isso aconteceu com amigos meus, eles acreditam na propaganda porque ela é muito forte”, disse.

“Eu acredito no nosso povo, na alma forte e brava, mas quando você está no ponto mais quente do conflito, você não tem água, não tem comunicação e não pode saber como está a sua família, e os russos falam o tempo todo que o país já se rendeu… não há como culpá-los por cruzar a fronteira”, disse.

Refugiados como arma de guerra

Se comprovada, a prática da Rússia de forçar ucranianos a cruzar a fronteira poderá ser entendida como um crime de guerra.

As intenções da Rússia com a suposta ação não estão claras ainda. Alguns objetivos poderiam ser pressionar o governo ucraniano, ao fazer seus cidadãos “reféns”, preencher áreas menos povoadas da Rússia ou diminuir a resistência civil na Ucrânia.

Uma outra hipótese poderia ser criar pânico na população ucraniana - ação que tem potencial para aumentar o número de refugiados que se dirigem para a União Europeia.

Se isso se confirmar, não seria a primeira vez que a Rússia e seus aliados tentam provocar ondas de emigração para o bloco europeu, com o objetivo de sobrecarregá-lo e causar instabilidade política.

No ano passado, Belarus, aliada da Rússia, incentivou imigrantes do Oriente Médio a usar seu país para tentar cruzar a fronteira da Polônia.

Em teoria, a necessidade de recursos financeiros para oferecer moradia e serviços de saúde para os refugiados, aliada a uma crescente competição por empregos, poderia desagradar a opinião pública europeia e gerar crises internas - enfraquecendo a unidade do bloco.

Mas, por ora, a Europa - ao menos os países do leste - parece estar de braços abertos para os imigrantes ucranianos. Não é possível saber, porém, se essa disposição vai mudar ao longo de uma guerra que promete ser longa.

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