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Jogos de Guerra

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Coluna semanal com reportagens exclusivas sobre assuntos militares, indústria bélica, forças armadas, zonas de conflito e geopolítica, com o jornalista Luis Kawaguti. Assista também à live semanal no canal do YouTube da Gazeta do Povo.

Ucrânia

O panorama estratégico após um mês de guerra: Rússia deve concentrar ações no leste

Soldados ucranianos patrulham a periferia de Kiev, capital do país (Foto: EFE/EPA/ATEF SAFADI)

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Após um mês de guerra, as forças russas estão dando sinais de que vão restringir suas ações a objetivos militares específicos - ao invés de atacar a Ucrânia como um todo.

Segundo a inteligência britânica, as forças russas subestimaram a capacidade de resistência ucraniana. O que havia sido planejado pelo Kremlin para ser uma guerra de movimento (blitzkrieg) parece ter se tornado um impasse. Ou seja, uma guerra de atrito marcada por cercos e bombardeios prolongados de cidades.

Por outro lado, mesmo se forem levadas em conta as estimativas mais otimistas da Ucrânia sobre baixas no inimigo, a Rússia ainda conta com aproximadamente 90% de suas forças intactas. Elas foram estimadas entre 150 mil e 200 mil tropas no início da invasão.

Além disso, há registro de que grandes quantidades de tropas russas manobram em Belarus para entrar no teatro de operações em breve.

Assim, um dos cenários mais prováveis é que a Rússia se concentre em tomar a região mais a leste do país antes de concordar com um cessar-fogo. Dessa forma, Vladimir Putin poderia clamar vitória na guerra.

Mas ainda não está claro se a tomada da capital Kiev permanece um objetivo essencial para os russos. A tentativa de conquista da cidade tem potencial para gerar um número de baixas militares e civis visto apenas nos conflitos mundiais do século XX.

Confira abaixo o que aconteceu nas principais frentes de batalha na guerra e quais são as tendências dos combates para as próximas semanas.

1) Kiev

Segundo fontes de inteligência britânicas e americanas, o objetivo inicial da Rússia era lançar um ataque surpresa para tomar a capital ucraniana. A ideia era invadir os prédios do governo e prender ou assassinar o presidente Volodymyr Zelensky.

O passo seguinte seria tomar cidades importantes, como Kharkiv, Mariupol e Odessa, e a região de Donbass. Moscou então instauraria um governo pró-Rússia e encerraria a guerra garantindo que a Ucrânia se tornaria uma zona neutra entre a fronteira russa e os países da frente oriental da Otan.

Mas isso não aconteceu. Paraquedistas russos foram lançados sobre uma base aérea de Hostomel para tomar a área e esperar a chegada da força de ataque principal, que se deslocava de Belarus, ao norte.

Uma coluna de veículos de combate russos de quase 60 quilômetros de extensão se dirigiu à capital. Mas em vez de investir diretamente contra Kiev, a coluna começou a tomar pequenas cidades da periferia. Ou seja, como o objetivo inicial de conquista rápida não foi atingido, a ideia era cercar a capital, bombardear a área e forçar uma rendição.

Uma represa do rio Dnieper foi explodida e inundou todo o subúrbio norte da cidade. A área se tornou intransponível.

As tropas russas não conseguiram cercar completamente a capital, que nunca perdeu seu flanco ao sul nem teve sua linha de suprimentos interrompida.

A guerra de movimento se tornou uma guerra de atrito - onde pequenos ganhos territoriais passaram a acontecer ao custo de muitas vidas de combatentes e civis.

Na última semana, as forças ucranianas começaram a lançar contra-ataques contra as cidades de Irpin, Bucha e Hostomel. O objetivo era afastar a artilharia russa do alcance de ataque sobre a capital.

Os russos cavaram trincheiras para resistir ao contra-ataque e investem atualmente em uma ofensiva para tentar tomar a cidade de Brovary, a nordeste da capital.

Kiev foi desde o início um objetivo político, mas de relevância militar questionável. Após um mês de guerra, as forças russas parecem estar direcionando suas atenções para regiões mais a leste do país – essas, sim, alvos militares inquestionáveis.

Não é possível afirmar se a cidade será mesmo alvo de um ataque total das forças russas nas próximas semanas.

2) Sumy

Sumy foi uma das primeiras cidades ucranianas a ser alvo de bombardeios russos. A partir dela, é possível controlar as principais rodovias que seguem do nordeste do país para a capital Kiev e as regiões leste e sul.

Devido à umidade do solo provocada pelo degelo da neve, as tropas russas estão avançando e conquistando apenas as áreas próximas às rodovias. Blindados pesados que tentaram avançar pela zona rural e de florestas acabaram atolados na lama.

Bombardeios acabaram atingindo depósitos de amônia na região. A substância química é usada em indústrias de fertilizantes. Havia o risco de uma explosão de grandes proporções (como a que ocorreu em Beirute em 2020), caso essas instalações fossem atingidas por um bombardeio direto.

Forças russas tentam no momento completar o cerco à cidade de Sumy, com o objetivo de impedir a entrada de suprimentos e reforços.

3) Kharkiv

Ex-capital soviética da Ucrânia e a segunda maior cidade do país, Kharkiv foi cenário de alguns dos piores bombardeios contra alvos civis da campanha russa até agora.

Logo no início da guerra, a explosão de um míssil na Praça da Liberdade, uma das maiores da Ucrânia, mostrou que alvos civis não seriam poupados pelos russos. Desde então, teve ruas, prédios residenciais e edifícios públicos completamente arrasados por mísseis e fogo de artilharia.

A população de 1,4 milhão de habitantes vem sendo retirada do local por meio de corredores humanitários.

A tomada da cidade é considerada de elevada importância para a concretização do plano russo de tomar a porção mais a leste da Ucrânia. De lá, a Rússia pode lançar um ataque do norte para o sul contra a região norte do território de Donbass.

4) Lugansk e Donetsk

Essas duas províncias ficam na região conhecida como Donbass, cuja porção leste foi tomada por rebeldes separatistas financiados pela Rússia em 2014.

Lá, a população ucraniana é marcada pela miscigenação com os russos. O presidente Vladimir Putin chegou a usar como justificativa para a guerra a missão de “libertar" os russos étnicos da região do domínio do governo ucraniano.

Pouco antes do início da guerra, a Rússia reconheceu Lugansk e Donetsk como repúblicas independentes da Ucrânia.

Para conter o avanço dos rebeldes para oeste, o exército ucraniano vem construindo há oito anos um sistema de fortificações ao longo de toda a região. Estima-se que a nata das forças armadas ucranianas opere na área.

Na sexta-feira (25), o vice-comandante das forças armadas russas, o general Sergei Rudskoi, afirmou que a campanha russa passará a se focar na conquista militar de Lugansk e Donetsk.

As forças russas devem tentar atacar os defensores ucranianos pela retaguarda, fazendo um movimento de “pinça” na tentativa de isolá-los.

A seção norte da pinça deve ser formada por uma força de ataque que partirá da região de Kharkiv para tomar as cidades de Izium e depois Kramatorsk.

A seção sul da pinça deve partir da região de Donetsk para tomar Hrodivka e se unir às tropas do norte na região de Kramatorsk.

Se as forças russas forem bem sucedidas, as tropas ucranianas podem ser cercadas nas regiões de Lysychansk e Sieverodonetsk.

O objetivo das tropas ucranianas é não deixar a pinça se fechar e tentar empurrar as tropas russas para fora da fronteira. Mas, se isso não for possível, não está claro se as tropas ucranianas vão abandonar suas posições (e se retrair para oeste) ou lutar até a rendição ou aniquilação total.

5) Mariupol

Mariupol é o último enclave ucraniano ainda não conquistado completamente pelos russos da região conhecida como Azov. A cidade portuária teve cerca de 80% das suas edificações destruídas pelas tropas russas - exceto pelo porto, que foi deixado intacto para o desembarque de tropas e suprimentos.

Os ataques à cidade geraram algumas das cenas mais dramáticas da guerra até agora, como o bombardeio de uma maternidade - onde grávidas foram retiradas feridas por estilhaços - e de um teatro onde mais de 1,2 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças, tentavam se proteger de mísseis e de fogo de artilharia e blindados.

Acredita-se que cerca de 100 mil pessoas estejam vivendo em escombros sem comida, água e energia elétrica. Os russos ofereceram uma rota de fuga para a população em troca da rendição das tropas defensoras, mas os ucranianos não aceitaram a oferta.

Mariupol é um alvo estratégico de alto valor. Sua conquista permitiria a Moscou criar um corredor terrestre ligando o território russo e a região de Donbass à península da Crimeia, tomada em 2014.

A cidade também é um importante porto no mar de Azov. Sua conquista daria à Rússia mais um "porto quente”, cujas águas não congelam durante o inverno. Sua perda seria um golpe forte na economia ucraniana e poderia minar o moral de suas tropas.

Segundo analistas militares, a queda de Mariupol deve acontecer a curto prazo, pois tropas russas já controlam parcelas da região central da cidade.

6) Mykolayiv

Mykolayiv é considerada uma “cidade fortaleza” no sul da Ucrânia. A grande concentração de tropas e as defesas construídas na região impediram o exército russo de avançar da Crimeia para a cidade de Odessa, na fase inicial da ofensiva.

De lá está partindo o contra-ataque ucraniano para tentar retomar a cidade de Kherson - o primeiro grande centro urbano ucraniano a cair nas mãos russas. A cidade tinha uma defesa desorganizada e foi facilmente tomada por tropas russas vindas da Crimeia.

Analistas militares também acreditam que a resistência ucraniana em Mykolayiv impediu que as forças russas avançassem não só para Odessa - em uma tentativa de bloquear todo o litoral ucraniano - mas também para o norte, para tomar toda a margem oeste do rio Dnieper. Se isso tivesse ocorrido, possivelmente a Ucrânia estaria dividida em dois territórios atualmente.

7) Lviv

Lviv e outras cidades da região oeste da Ucrânia, como Lutsk e Ivano-Frankivsk, estão servindo como porto seguro para milhares de refugiados e deslocados internos.

A região é a principal rota de fuga para a Polônia, a Romênia e a Eslováquia. A ONU estima que quase 4 milhões de refugiados tenham deixado a Ucrânia e cerca de 6 milhões fugiram de suas cidades mas ainda estão em território ucraniano.

A região abriga bases de treinamento de militares e depósitos de material bélico. Por isso, já foi alvo de uma série de ataques de mísseis russos. Porém, a possibilidade de uma invasão por tropas terrestres na região é considerada remota.

Um cenário possível é que tropas de Belarus se envolvam na guerra para tentar tomar as principais ferrovias e estradas que ligam essa região a Kiev - em uma tentativa de isolar a capital.

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