Na próxima semana, chegam ao Brasil 240 militares americanos representantes da 101ª Divisão de Assalto Aéreo (101st Airborne Division) para um treinamento conjunto com forças brasileiras da Brigada Aeromóvel em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Os militares americanos vão praticar com as tropas brasileiras uma manobra militar conhecida como “assalto aeromóvel”, onde combatentes de infantaria são deixados de helicóptero no cenário do combate - na maioria das vezes atrás das linhas inimigas. Essa tática marcou a Guerra do Vietnã. Esse é apenas um dos treinamentos agendados.
O exercício atual foi chamado de CORE 21 (sigla em inglês para Operações Combinadas e Exercício Rodízio). Ele deve passar a acontecer todos os anos, alternando cidades do Brasil e dos Estados Unidos, ao menos até 2028.
A ideia é aumentar a integração entre forças brasileiras e americanas. Na verdade, estamos tratando aqui de diplomacia militar, uma ação de Estado que acontece independente da inclinação pró-americana do governo Jair Bolsonaro, segundo uma fonte do Alto Comando do Exército.
Ou seja, apesar do governo ser favorável a esse tipo de integração militar com os EUA, ela possivelmente aconteceria independente da inclinação do presidente. Mas o apetite de Bolsonaro pelos temas militares e seu relacionamento com o ex-presidente americano Donald Trump podem ter facilitado o processo.
O Psol chegou a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal pedindo o cancelamento do treinamento. O partido alegou que ele seria “uma ameaça” para o Brasil e para a América Latina. O pedido foi negado pelo STF.
Treinamentos conjuntos vêm ocorrendo desde os anos 1960. E têm sido bastante intensos ao menos desde 2017, quando os EUA participaram na Amazônia da simulação da criação de uma base logística para acolher refugiados. Menos de um ano depois, milhares de refugiados venezuelanos começaram a cruzar a fronteira e o que era exercício virou “para valer” com a Operação Acolhida.
Dessa vez, o Brasil vai participar com 750 militares do 5 BIL (Batalhão de Infantaria Leve) de Lorena (SP). Serão utilizados também helicópteros do tipo Super Puma/Cougar e Pantera do Comando de Aviação do Exército, de Taubaté. Os americanos trarão armas e equipamentos, mas não helicópteros.
As operações acontecerão nas cidades de Lorena e Cachoeira Paulista, em São Paulo, e Resende, no Rio de Janeiro. Os americanos chegarão entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro. Mas o treinamento será entre 6 e 16 de dezembro.
A escolha do 5 BIL e da 101ª Airborne teve ao menos dois motivos. O primeiro é que ambas são “Forças de Ação Rápida” - as primeiras a entrar em ação em caso de conflito.
No Brasil, essas forças recebem mais equipamentos e treinamento. Além da Brigada Aeromóvel e do Comando de Aviação do Exército, ambos de São Paulo, também são forças de ação rápida a Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro e a Brigada de Operações Especiais de Goiânia (as duas últimas não participarão do exercício).
O segundo motivo é que ambas são tropas leves: seria mais complicado logisticamente enviar, por exemplo, unidades de blindados pesados dos Estados Unidos para o Brasil.
Unidades com história
A 101ª Airborne Division, ou "Screaming Eagles” (Águias Gritantes, em tradução livre do inglês), foi criada em 1942. Seus integrantes foram os primeiros combatentes americanos a colocar os pés na Normandia no Dia D da Segunda Guerra Mundial, saltando de paraquedas.
Depois combateram batalhas importantes, como Ardenes e Bagstone. A saga foi contada na minissérie de Hollywood “Band of Brothers”. A 101ª Airborne também lutou no Vietnã, Iraque e Afeganistão.
Mas o 5 BIL da atual Brigada Aeromóvel também tem história. Suas origens remontam à Guerra do Paraguai e passam pela ação na Força Expedicionária Brasileira na Itália. Na formação atual, teve papel fundamental em 2005 na Missão de Paz do Haiti.
Nenhum país revela segredos militares valiosos nesse tipo de exercício. Mas ele serve como referência de "melhores práticas” para o Brasil aprimorar sua doutrina militar. A 101ª Airborne é uma das divisões do exército americano que mais se engajam em batalhas.
O treinamento também facilita que as forças dos dois países atuem juntas em missões futuras - que podem ser de guerra ou de ajuda humanitária, como ocorreu no Haiti no terremoto de 2010.
Brasil ganhou mais de 140 blindados dos EUA nos últimos seis anos
A cooperação com os EUA vai além do treinamento. Desde 2016, o Brasil recebeu em caráter de doação 144 blindados, que não estavam sendo mais usados pelos americanos por os possuírem em excesso.
Entre 2016 e 2017, foram 12 blindados M113 usados no transporte de tropas, datados da guerra do Vietnã. Veículos desse tipo entraram em ação no Complexo do Salgueiro na intervenção federal no Rio em 2018. Movidos por “lagarta”, se adaptaram bem ao terreno de mata que os criminosos usavam para tentar escapar do complexo de favelas.
Talvez o leitor os tenha visto em um desfile em frente ao Palácio do Planalto em agosto. Modernizado, o M113 continua sendo um blindado bastante versátil nos dias de hoje, segundo analistas.
Em 2018, foram 60 obuseiros M109 (um tipo de canhão de artilharia que funciona em um veículo blindado) e 40 blindados de transporte de munições M992. Em 2019, outros 32 M109 foram enviados, segundo informações do Exército.
Essas doações fazem parte de um programa americano para ajudar militarmente nações amigas. O Brasil pagou pelo acondicionamento, transporte e modernização. Equipamentos que chegam por esse acordo por vezes depois são repassados a nações vizinhas, como o Uruguai.
As Forças Armadas chegaram a cogitar receber um contingente de veículos Humvee, largamente usados pelos EUA em missões no Oriente Médio. Eles seriam usados em uma possível missão de paz na África, mas nem o acordo nem a missão se concretizaram.
Mas o Brasil não baseia suas capacidades militares nessas doações. Sem os Humvee, o país optou por comprar similares italianos da Iveco, chamados Lince.
Em paralelo, o Brasil também investe num programa de compra de blindados modernos de transporte de tropas, os Guarani. E na área da artilharia, o principal veículo é o lançador de foguetes e mísseis Astros II, da Avibras - que é exportado para países do Oriente Médio, como o Catar.
Entenda a diplomacia militar entre EUA e Brasil
A cooperação militar entre brasileiros e americanos remonta à Segunda Guerra, com a construção de bases aliadas no Brasil e a campanha contra as forças nazistas na Itália, entre outras ações.
Em anos mais recentes, a diplomacia militar americana se voltava para a América do Sul com um objetivo específico: a guerra às drogas. A ideia era fazer com que países como o Brasil utilizassem recursos militares para combater guerrilhas e facções criminosas que operam tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. A Colômbia se tornou um grande parceiro dos EUA nessa tarefa.
O Brasil dá poder de polícia a militares na fronteira, fez inúmeras operações de combate a ilícitos, mas nunca aderiu totalmente ao projeto americano para as forças armadas da América do Sul.
Já na administração do presidente americano Donald Trump, o Brasil ganhou o status de aliado extra-Otan (aliança militar ocidental), condição que facilita a compra de equipamentos americanos e a realização de exercícios como o que ocorrerá em dezembro. Ele também facilita o financiamento de exportações de produtos bélicos do Brasil e participação em licitações.
O patamar seguinte para ter acesso a mais equipamentos e mercado seria o Brasil se tornar um sócio global da Otan. Trump sinalizou para essa possibilidade, mas o governo de Joe Biden vem condicionando o status à disputa comercial com a China.
Ou seja, para ganhar o benefício, o Brasil teria que excluir a empresa chinesa Huawei do mercado nacional de internet 5G. Isso não aconteceu por ora.
Embora a empresa não tenha participado do leilão do 5G no início do mês, ela é uma grande fornecedora de tecnologia e equipamentos para as empresas que venceram o leilão. Excluir a Huawei, que já fornece material para as tecnologias 3G e 4G, custaria bilhões de dólares, segundo as operadoras nacionais. Resta saber como o Brasil vai se comportar no cenário que alguns analistas vêm chamando de Guerra Fria 2.0.
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