Na segunda-feira, durante as celebrações do dia da Vitória na Segunda Guerra na Rússia, chegaremos a mais um ponto de inflexão na guerra na Ucrânia. O presidente Vladimir Putin deve clamar algum tipo de vitória no campo de batalha. Mas o que ele fará em seguida? Vai declarar uma vitória preliminar e negociar a paz? Vai manter inalterado o cenário no campo de batalha? Vai aumentar o esforço de guerra para tomar toda a Ucrânia e até eventualmente levar o conflito para outros países?
A possibilidade mais temida é que ele utilize uma arma nuclear para tentar encerrar o conflito. Mas ele seria capaz disso?
Essas são algumas das perguntas que analistas militares e políticos vêm tentando responder nos últimos dias. Duas notícias divulgadas na última semana, sobre a atuação da inteligência americana na Ucrânia, podem influenciar bastante nos cálculos de Putin.
Vazamentos de informações para a imprensa revelaram que informações fornecidas pelos EUA sobre unidades de combate russas ajudaram os ucranianos a matar diversos generais no campo de batalha.
A inteligência americana também teria ajudado a Ucrânia a localizar o cruzador Moscou, o então navio capitânia da esquadra russa no Mar Negro, possibilitando um ataque de mísseis e drones contra ele no dia 13 de abril. O navio foi a pique um dia depois.
Somados ao fornecimento de armas de ataque a Kyiv (como carros de combate, artilharia e mísseis), esses vazamentos de informações podem sugerir a Putin que as potências ocidentais estão atuando de forma direta na guerra (e não fornecendo apenas apoio indireto para a defesa da Ucrânia, conforme Washington afirmou no início da guerra).
Em paralelo, as possíveis entradas da Finlândia e da Suécia na Otan (aliança militar ocidental) colocam ainda mais pressão em Moscou. Isso porque elas corroboram a tendência de expansão da aliança para leste, que motivaram a invasão russa na Ucrânia.
Já o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que o mínimo necessário para que a Ucrânia aceite a paz é que as tropas russas recuem para as posições onde estavam no dia 23 de fevereiro, antes da invasão russa.
Isso significaria que a Rússia ganharia definitivamente a Crimeia e partes das províncias de Luhansk e Donetsk, em Donbas. Por outro lado, se aceitar esses termos, Putin perderá o corredor terrestre conquistado por suas tropas, que liga a Rússia à Crimeia, passando por grandes cidades como Mariupol, Berdiasnk, Melitopol e Kherson. Ele também teria que abrir mão de tentar conquistar regiões altamente industrializadas e ricas em gás natural e carvão na região de Donbas.
Então, quais são as opções (conhecidas) que Putin tem?
Cessar-fogo
Zelensky disse que nem todas as “pontes” foram destruídas para se chegar a um acordo de paz. Putin pode declarar que a Rússia está satisfeita com as conquistas atuais no campo de batalha e aceitar um cessar-fogo, no qual a Ucrânia se comprometeria a abrir mão da intenção de se juntar à Otan.
A propaganda na mídia estatal russa garantiria que os cidadãos partilhassem da opinião de que a “Operação Militar na Ucrânia” foi bem sucedida e que uma vitória preliminar foi atingida.
Porém, isso seria contraprodutivo se o objetivo de Putin for continuar anexando mais parcelas do território ucraniano - pois daria tempo para que o Ocidente enviasse mais armas e treinasse os militares ucranianos em como utilizá-las.
Além disso, o cessar-fogo poderia ser interpretado internacionalmente como um sinal de fraqueza da Rússia, que falharia em seu objetivo maior de desafiar a hegemonia americana em favor de uma ordem mundial mais multipolar.
Assim, o cenário de cessar-fogo parece o menos provável entre todas as opções.
Declaração de guerra
O secretário de defesa britânico Ben Wallace afirmou recentemente que Putin poderia transformar em guerra aberta sua “Operação Militar Especial” - nome usado pelos russos para dizer que o conflito na Ucrânia tem um escopo restrito.
Com essa medida, Putin destravaria mecanismos para aumentar a conscrição de soldados no país para reforçar a frente de batalha. Possivelmente, todos os homens em idade militar ficariam impedidos de sair da Rússia e deveriam esperar pelo chamado dos centros de recrutamento.
Segundo o site especializado Global Firepower, a Rússia tem hoje em suas forças armadas cerca de 850 mil militares. A Rússia enviou cerca de 200 mil para o conflito na Ucrânia. Em tese, com o aumento da conscrição, o exército russo poderia chegar a um efetivo de até 1,3 milhão de soldados nos próximos anos.
Se aumentar o número de combatentes no campo de batalha é quase certo que Putin não vai se contentar em tomar apenas a região de Donbas e pode caminhar para um cenário de conquista do litoral ucraniano (Odesa, Mikolayv e centenas de cidades de seu entorno) ou mesmo de outras regiões do país, como a própria capital Kyiv.
A Rússia disse que não vai alterar o status de sua “Operação Militar Especial”, mas é preciso ver isso com ressalvas. Moscou também garantiu inúmeras vezes que não invadiria a Ucrânia.
Mas, há fatores que podem dissuadir Putin de tomar essa atitude. A conscrição em massa poderia diminuir a popularidade do governo. Segundo pesquisa do instituto Levada divulgada pelo jornal New York Times, 39% dos russos não estão prestando muita atenção na guerra. Mas o envio de mais cidadãos para o campo de batalha pode mudar essa realidade e diminuir consideravelmente o apoio popular ao conflito.
O cenário pode também aumentar o atrito com a Otan e elevar a possibilidade de um conflito direto - algo que vem sendo evitado tanto pela Rússia como pelas potências ocidentais.
Invasão da Moldávia
Mudando ou não o status do conflito, outra possibilidade levantada por analistas é que Putin decida pela invasão da Moldávia, que não faz parte da Otan. Essa possibilidade começou a ganhar força quando foram registradas há alguns dias explosões misteriosas no território separatista da Transnístria, que fica dentro da Moldávia.
A narrativa fomentada pelos russos era a de que a Ucrânia estaria interessada em invadir a Transnístria, que possui cerca de 1.500 militares russos. Uma eventual invasão russa à região poderia ser justificada como uma ação para proteger a Transnístria.
A operação seria extremamente arriscada para as forças armadas russas, porém. Isso porque envolveria o desembarque anfíbio de fuzileiros navais na região e um possível confronto direto com os defensores da cidade ucraniana de Odesa.
A Rússia já perdeu seu navio capitânia no Mar Negro, o cruzador Moscou, devido a um alegado ataque de mísseis e drones da Ucrânia. Desde então, a esquadra russa tem operado mais distante da costa. Por isso, um desembarque anfíbio envolveria riscos consideráveis para os russos.
Outro fator de dissuasão para a Rússia seria que, invariavelmente, o Ocidente aumentaria as sanções econômicas ao país e aumentaria o envio de armas para a Ucrânia e para a Moldávia.
Da mesma forma que no cenário anterior, essa ação elevaria muito a possibilidade de conflito direto entre Rússia e Otan.
Ataque nuclear
A opção mais alarmante nunca foi descartada por Putin: a utilização de armas nucleares para encerrar o conflito em favor da Rússia.
Nesse caso, o mais provável seria a utilização de uma bomba nuclear tática. Ou seja, uma ogiva com potencial nuclear de um décimo a metade do registrado pela bomba de Hiroshima na Segunda Guerra.
Ela poderia ser lançada para destruir uma instalação ou uma base militar mais afastada e não para arrasar uma cidade inteira. Como ocorreu com o Japão, isso poderia levar a Ucrânia à rendição.
Mas não é tão simples. Ninguém sabe se o rompimento do chamado “tabu nuclear” poderia acabar com uma guerra ou deflagrar um conflito nuclear global, com todas as consequências letais para a humanidade que ouvimos falar durante toda a Guerra Fria.
Ou seja, a ação poderia ao invés de acabar com a guerra na Ucrânia, deflagrar a Terceira Guerra Mundial a partir de uma possível retaliação direta da Otan.
Mas também é possível que justamente temendo essa possibilidade, a Otan prefira se afastar do conflito a partir da detonação de um artefato nuclear russo - propiciando assim a Putin uma vitória praticamente imediata.
Sem dúvidas, esse cenário é o de maior impacto, mas o de menor possibilidade.
Elevação da retórica
Do outro lado do espectro, o cenário de baixo impacto e maior possibilidade é uma elevação da retórica bélica no discurso de segunda-feira, mas sem causar grandes alterações práticas no campo de batalha.
Nele, Putin poderia ressaltar em seu discurso as vitórias militares já obtidas e reforçar a necessidade de vencer a Batalha de Donbas.
Isso seria possível porque a Rússia vem fazendo avanços lentos, mas consistentes, no teatro de operações - principalmente devido ao uso massivo de artilharia.
Moscou também pode intensificar os ataques à infraestrutura estratégica da Ucrânia para impedir a chegada de armas ocidentais à frente leste.
O Kremlin pode continuar pressionando sistematicamente os Ucranianos no terreno e ir tomando lentamente a região de Donbas e ampliando o tamanho do corredor terrestre no sul.
Em paralelo, haveria a consolidação da administração russa sobre cidades invadidas, como Kherson, Melitopol e Mariupol.
Esse cenário daria um compasso um pouco mais previsível à guerra e tiraria um pouco da atenção mundial sobre o conflito.
Porém, ele não se tornaria nem menos violento nem menos perigoso. Violento pois o número de baixas militares e civis só tenderia a aumentar. Perigoso porque quanto mais a guerra se estende, aumenta a possibilidade de que um erro de cálculo no campo de batalha faça a guerra se espalhar pela Europa com o possível envolvimento direto da Otan.
Aviso
A partir desta semana a coluna e a live Jogos de Guerra voltam a ter a periodicidade semanal. Os textos voltam a ser publicados apenas no fim de semana e as lives voltam a ocorrer nas noites de quinta-feira no canal da Gazeta do Povo no YouTube. Durante os dois primeiros meses de guerra na Ucrânia havíamos optado pela intensificação momentânea da cobertura.
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