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A China está firmando parcerias para criar bases navais para sua marinha cada vez mais distantes de seu território. Uma delas pode ser instalada na Guiné Equatorial, na costa oeste africana. Se isso se concretizar, a rivalidade militar entre Pequim e Washington, até agora restrita à região do Indo-Pacífico, se estenderá para o Oceano Atlântico Sul.
Relatórios da inteligência americana, citados pelo jornal Washington Post no início de dezembro, sugerem que Pequim negocia com o ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo a instalação de uma base naval permanente na cidade de Bata - onde empresas chinesas já construíram um porto civil de águas profundas.
A presença da marinha chinesa no Atlântico Sul elevaria a tensão militar no golfo da Guiné, uma área onde o próprio Brasil já tentou exercer influência militar, e possivelmente no Atlântico Sul como um todo.
Atualmente, o Brasil tem sob sua jurisdição cerca de 3,5 milhões de quilômetros quadrados de área marítima - chamada pelo governo de Amazônia Azul, onde ficam, por exemplo, as reservas em exploração no pré-sal. É por essa região que passam 95% das rotas de comércio exterior brasileiras.
Mas o país disputa em organismos internacionais o direito de soberania sobre uma área de mais 2 milhões de quilômetros quadrados, onde acredita-se existir mais petróleo e importantes jazidas subaquáticas de cobalto (em uma região chamada Elevação de Rio Grande) e de outros minerais.
O esforço da China vem sendo interpretado por analistas militares ocidentais como uma tentativa de projetar poder militar em escala global. Pequim também negocia acordos similares no Camboja e nos Emirados Árabes Unidos.
Outra hipótese é que Pequim esteja tentando tirar a atenção das potências ocidentais do Indo-Pacífico. Isso faria com que pelo menos uma parte da marinha americana tenha que se preocupar com atividades chinesas em outras regiões do mundo - e se afaste do mar ao sul da China.
Um dos maiores focos de tensão militar no mundo hoje é a ilha de Taiwan, situada nessa região. O governo chinês entende que esse território autônomo faz parte da China e prometeu reavê-lo (analistas dizem que isso aconteceria antes de 2027, quando o Exército de Libertação Popular da China completa cem anos).
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Os Estados Unidos, por sua vez, afirmaram que defenderão a ilha democrática em caso de invasão chinesa. Atualmente, a Ásia é a região do mundo que mais desperta a atenção americana. Neste ano, o governo de Joe Biden fez um pacto de defesa com a Austrália e a Grã-Bretanha que possibilitará aos australianos terem acesso a submarinos de propulsão nuclear.
Ao estabelecer sua primeira base no leste do continente africano, no Djibouti, em 2016, o governo de Xi Jinping defendeu motivações bem diferentes de uma suposta tentativa de projeção global de poder: lutar contra a pirataria e proteger rotas comerciais e cidadãos chineses.
Esse discurso se encaixaria no cenário do Golfo da Guiné, principal foco da pirataria no Atlântico. A Marinha do Brasil chegou a realizar missões antipirataria na região em meados de 2013.
Governo Lula aproximou Brasil da Guiné Equatorial
Aliás, a aproximação do Brasil com a Guiné Equatorial começou em 2003 e coincidiu com a chegada ao poder do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu governo, ele focou a diplomacia brasileira no "Sul Global” (que já foi chamado de Terceiro Mundo), de acordo com o livro “Euforia e Fracasso do Brasil Grande” (Ed. Contexto, 2017), do jornalista Fábio Zanini.
Em 2013, após deixar o poder, Lula viajou para o país e se encontrou com Mbasogo (que está no poder desde 1979) na condição de consultor. A visita rendeu uma investigação da Procuradoria da República do Distrito Federal, por suposto tráfico internacional de influência. Ele teria pedido ao ditador que favorecesse construtoras brasileiras, usando promessas de financiamento pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O filho de Mbasogo, Teodorín, que é vice-presidente da Guiné Equatorial, foi investigado por suspeita de lavagem de dinheiro no Brasil.
Mas, de volta à expansão da China, a diplomacia americana já começou a pressionar a Guiné Equatorial para não fechar o acordo para a instalação da base naval.
Mas, mesmo que a negociação não avance, Pequim tem ao menos 50 opções de portos para negociar na África Subsaariana. Essas instalações foram construídas ou financiadas em diferentes países com capital ou empresas da China, segundo levantamento do think tank CSIS (sigla em inglês do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais de Washington) publicado na revista The Economist.
Isso não significa que a China vai se aliar militarmente a algum desses países. Diferente de Washington, o regime de Xi Jinping historicamente não tem aliados nem se envolve em pactos militares de defesa mútua (exceto no caso da Coreia do Norte), mas faz parcerias estratégicas. Entre esses parceiros estão Rússia, Irã e Paquistão.
Uma base naval no Atlântico permitiria que a marinha chinesa não apenas reabasteça seus navios, mas os rearme e conserte avarias. Isso não representaria uma ameaça de grandes proporções aos Estados Unidos e seus aliados, que possuem inúmeras bases navais no Atlântico, mas elevaria a tensão na região.
“A China não tem pretensões no campo militar por aqui (Atlântico Sul). Mas ela colocaria um pé na área de influência americana”, afirmou o coronel da reserva e analista militar Paulo Filho, que possui mestrado em Defesa e Estratégia pela Universidade Nacional de Defesa em Pequim.
A importância da Nicarágua
Poucos dias depois da divulgação do relatório de inteligência americana sobre a Guiné Equatorial, um acontecimento diplomático contribuiu para elevar as especulações sobre as intenções chinesas: a Nicarágua rompeu relações diplomáticas com Taiwan e deu início a uma série de acordos de cooperação com a China.
O periódico Global Times, controlado pelo Partido Comunista Chinês, publicou em 13 de dezembro que Manágua deve ser incluída na iniciativa "Belt and Road", a chamada Nova Rota da Seda.
Trata-se de uma estratégia chinesa de firmar parcerias e financiar obras de infraestrutura em países em desenvolvimento, especialmente no sudeste asiático e na África. Ela é interpretada por analistas do Ocidente como uma forma de exercer controle e pressão econômica e diplomática sobre esses países.
Mas qual é a relação da expansão naval chinesa com um pequeno país da América Central?
Por ora, nenhuma. Mas, a Nicarágua já foi palco de um projeto envolvendo um bilionário chinês para construir um novo canal ligando o Atlântico ao Pacífico - para rivalizar com o Canal do Panamá.
O projeto encontra-se parado desde 2016, mas, em tese, poderia ser retomado com verbas da Nova Rota da Seda. Seria como criar uma situação de tensão comparável ao impasse envolvendo Taiwan, mas dessa vez no quintal dos Estados Unidos.
E como fica a situação do Brasil?
O Atlântico Sul é imenso e possivelmente não haveria encontros de embarcações militares brasileiras com chinesas ou americanas no oceano, que gerassem potencial de perigo de conflito acidental (possibilidade real hoje no Indo-Pacífico).
Um atrito eventual seria mais provável nas proximidades de ilhas britânicas no Atlântico Sul, como Ascensão ou Santa Helena, que estão mais perto da costa oeste africana.
Mas a instalação da base chinesa poderia em tese fomentar uma corrida armamentista na região.
Não há consenso entre analistas sobre as capacidades navais do Brasil. Mas hoje, a esquadra brasileira teria melhores condições de defender a costa do país e parte da Amazônia Azul.
O país exerce patrulhas regulares e poderia usar uma força-tarefa naval para lidar com ameaças específicas, segundo fontes da Marinha ouvidas por este colunista. Porém, após a venda do porta-aviões São Paulo, a capacidade de projetar poder do Brasil em áreas mais distantes foi reduzida.
Esse cenário deve mudar com o programa Prosub, de construção de submarinos. O primeiro deles, o Riachuelo, de propulsão convencional, foi lançado ao mar em 2020 e deve ser incorporado à esquadra neste ano. Outros três similares a ele, Humaitá, Tonelero e Angostura, estão em construção.
Há muitas diferenças entre submarinos convencionais e nucleares. Uma das mais importantes é que o nuclear pode permanecer submerso e oculto indefinidamente (na prática, até acabarem os estoques de comida da tripulação). Os convencionais têm que subir periodicamente próximo à superfície para levantar o snorkel e recarregar baterias - por isso podem ser detectados.
Por isso, o Brasil apenas terá condições reais de projeção de poder no Atlântico Sul com a conclusão da construção, prevista para 2029, do submarino de propulsão nuclear Álvaro Alberto.