O silêncio nas cidades de Irpin e Bucha é quebrado apenas pelo vento forte, que derruba esquadrias retorcidas de janelas e pedaços de telhas de prédios semidestruídos por granadas de artilharia. Nas ruas, há muitos carros e blindados queimados, mas não é possível ver moradores. O movimento se restringe a alguns repórteres andando a pé. Essa é a primeira impressão dos arredores da capital da Ucrânia, Kiev, após a retirada das tropas russas.
Cerca de 40 mil militares russos abandonaram no último dia 31 suas posições nas cidades do subúrbio da capital ucraniana e da região de Chernigov e Chernobyl. Enquanto retraíam para o norte, em direção a Belarus, defendiam-se das emboscadas de pelotões de infantaria e do fogo da artilharia ucraniana.
A retirada massiva deixou para trás não só um cenário desolador de destruição, mas também dezenas de corpos de civis mortos por estilhaços de bombas ou tiros a curta distância.
Entro em Irpin em um carro dirigido por um jornalista ucraniano. Viemos por uma rota alternativa, pois a ponte que ligava a cidade a Kiev foi dinamitada. Na estrada secundária, a primeira visão é um grande posto de gasolina completamente destruído, onde militares ucranianos montaram um posto de controle.
O comportamento dos soldados é completamente diferente daqueles posicionados nas cidades do oeste, como Lviv - onde os combates de tropas no terreno não ocorreram e os mísseis russos atingiram na maior parte das vezes só alvos militares. Aqui, os soldados quase não fazem perguntas. Ao notar que somos jornalistas, um jovem militar afirma: “Passem, vocês têm que ver o que aconteceu aqui”.
Ele também alerta: “Mantenham o carro na estrada e, quando desembarcarem, só pisem no asfalto, não na terra - a região está toda minada”.
Dirigimos devagar, por uma área cercada de florestas, até chegar a uma rua onde há prédios de no máximo oito andares. Eles estão parcialmente destruídos, com marcas negras de incêndios e completamente vazios. Não resta uma janela intacta e há escombros por toda parte.
Na rua, o que mais chama a atenção são carros de passeio com vidros e lataria varados por centenas de tiros. Ao examinar com mais calma, percebo que na verdade há marcas de tiros e de estilhaços de bomba em toda parte, em paredes, portões, muros… No asfalto há marcas arredondadas feitas pelo impacto de granadas de morteiro. É possível ver crateras de um metro de profundidade feitas por foguetes no terreno.
Me aproximo a pé dos destroços de um foguete retorcido e apanho na mão um estilhaço. Apesar de ter só dois centímetros de comprimento e um de diâmetro, é um objeto estranhamente pesado, feito de metal muito denso. Começo a entender como se processou tanta destruição.
Passamos por um blindado leve MT-LB russo completamente destruído, que teve a torre de tiro arrancada por uma explosão. Acho a torre retorcida alguns metros à frente.
Depois de um entroncamento, fica a avenida principal da cidade de Bucha. Em frente ao que restou do edifício de dois andares de um centro comercial, militares ucranianos tentam consertar um blindado de transporte de tropas que teve uma das rodas destruídas.
Desço do carro para fotografar um tanque T-72 ucraniano abandonado em frente a um prédio destruído. Não é possível saber o que o atingiu. Possivelmente uma mina antitanque - à frente há pilhas delas amontoadas em cantos da rua por engenheiros de combate ucranianos.
A avenida principal de Bucha está parcialmente bloqueada. A barricada foi feita com um caminhão de cimento tombado e obstáculos antitanque. Atrás dela, há um movimento de militares e jornalistas em torno de um corpo. É um senhor idoso em roupas civis, possivelmente morto em uma das explosões ou por tiros de canhão de calibre 30 milímetros - há cápsulas desse calibre por toda parte.
Nas proximidades, é possível ver que soldados ucranianos abandonaram pelo chão lançadores de foguetes M72 usados. Trata-se da versão moderna da bazooka da Segunda Guerra, que dá apenas um tiro.
Seguimos de carro até uma área mais residencial, com casas de dois andares. É possível ver marcas das lagartas dos blindados na terra dos quintais. Muros e cercas foram destruídos.
Mais à frente, me deparo com uma das cenas que marcaram a batalha de Kiev: uma rua estreita repleta de blindados russos destruídos. O metal das carcaças foi retorcido e queimado. Tratava-se de uma grande coluna russa que caiu em uma emboscada.
O primeiro e o último carro de combate da fila foram atingidos do céu por mísseis lançados por drones de grande porte, operados pela Ucrânia. Os demais veículos ficaram presos na rua estreita e foram atacados por tropas de infantaria armadas com foguetes e mísseis antitanque. Moradores relataram que os soldados russos tentaram abandonar os tanques e procuraram abrigo nas casas vizinhas. Não é possível saber se houve sobreviventes.
Aos poucos, surgem alguns moradores. Eles contam que ficaram dias abrigados nos porões de suas casas. Quando retornaram à superfície, encontraram seus lares revirados por tropas russas e também ucranianas, que fizeram pilhagens e usaram as residências como abrigo.
“No começo da invasão, eu quase morri”, diz um morador, que pede para não se identificar. “Vi um tanque de guerra e tentei tirar uma foto. Os soldados apontaram para mim, mas não atiraram e só confiscaram o meu celular. Depois disso, só fiquei em casa”, afirma. Ele conta que ficou dias em um porão de quatro metros quadrados com chão de terra. Sua casa foi invadida pelos russos e pela segunda vez ficou sob a mira de uma arma. Mas sobreviveu.
Porém, muita gente não teve a mesma sorte. O governo ucraniano diz que mais de 300 corpos de civis foram encontrados em Bucha. Muitos deles tinham as mãos amarradas e marcas de tiros disparados a curta distância.
Fotos divulgadas pelos ucranianos mostram grupos de pessoas mortas por explosões de bombas ou corpos de moradores baleados ou atingidos pela artilharia enquanto tentavam escapar da cidade em seus carros. Esse cenário começou a ser chamado no mundo de Massacre de Bucha.
Quando estive na cidade, poucos dias após a saída dos russos, a maioria dos corpos havia sido recolhida. Eles foram enterrados em valas comuns na última sexta-feira, em um evento televisionado que reforçou o discurso de crime de guerra para a audiência internacional. A Rússia nega ter matado civis e diz que a Ucrânia forjou o cenário para atacar Moscou na guerra da informação.
Ainda em Bucha, um militar ucraniano aconselha: melhor não ficar muito tempo aqui, pois ontem os russos atiraram foguetes nesta região. Eu e o jornalista ucraniano pegamos o carro para ir embora. No caminho, sons de tiros de fuzil a alguns quilômetros de distância.
Saio da cidade com a impressão de que cenas como a que acabei de presenciar podem se repetir em breve na guerra da Ucrânia. Especialmente agora em que tropas russas se preparam para uma operação terrestre de larga escala no leste do país.
Se a população civil não conseguir deixar a área de Donbass a tempo, possivelmente outras Buchas se repetirão.
Governo Lula cobra fatura de aliança com Lira nesta última semana do Legislativo
PF busca mais indícios contra Braga Netto para implicar Bolsonaro em suposto golpe
Não é só nos EUA: drones sobrevoam base da Força Aérea americana e empresas estratégicas na Alemanha
Juiz de Brasília condena Filipe Martins por suposto “gesto racista” em sessão do Senado