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Reunião na Turquia entre os ministros das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov (ao fundo), e da Ucrânia, Dmytro Kuleba (de costas), na quinta-feira (10) terminou sem acordo
Reunião na Turquia entre os ministros das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov (ao fundo), e da Ucrânia, Dmytro Kuleba (de costas), na quinta-feira (10) terminou sem acordo| Foto: EFE/EPA/CEM OZDEL/Ministério das Relações Exteriores da Turquia

Rússia e Ucrânia já se reuniram três vezes para buscar uma solução diplomática para a guerra, mas as conversações pouco avançaram rumo a um cessar-fogo. Isso ocorre porque o cenário atual do campo de batalha não favorece a negociação. Mas um acordo de paz pode ser negociado, mesmo sem que a Rússia ou a Ucrânia atinja totalmente seus objetivos estratégicos.

O presidente russo, Vladimir Putin, tem entre suas metas principais deter a expansão da Otan (aliança militar ocidental) rumo ao leste da Europa e desmilitarizar a Ucrânia. Ele também falou em “desnazificar” a Ucrânia, o que na prática quer dizer forçar a queda do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e tentar substituí-lo por um governo simpático a Moscou.

Aliás, nunca é demais lembrar que o suposto caráter nazista do governo ucraniano é pura propaganda de guerra. Assim como a associação de Putin com a figura de Hitler, feita pelos ucranianos.

O presidente Zelensky, por sua vez, dá sinais diários de que não pretende capitular, mesmo que isso resulte em mais perdas de vidas (incluindo a dele).

No início da guerra, o presidente ucraniano defendia a entrada da Ucrânia na Otan. Mas, ao longo do conflito, essa situação mudou. Ele parece ter percebido que não receberá ajuda militar robusta, como novos aviões de caça ou a implementação de uma zona de exclusão aérea que anule o poder da aviação russa. A Otan teme que seu envolvimento maior possa deflagrar o uso de armas nucleares. Por isso, Zelensky parou de pressionar o Ocidente para aceitar o país na aliança.

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Por outro lado, o presidente ucraniano dá sinais de que não concordará com a desmilitarização de seu país, exigida pela Rússia. Até porque, na prática, isso implicaria na queda de seu governo e na transformação da Ucrânia em um território fantoche de Moscou (de forma similar ao que ocorre em Belarus).

Isso deixa poucas opções para o governo ucraniano. Kiev se foca agora em resistir à invasão, esperando um momento para tentar contra-atacar e eventualmente empurrar as forças russas para fora das fronteiras de seu país - mesmo que isso pareça pouco realista diante da superioridade militar de Moscou.

Ou seja, por ora há pouco terreno para uma solução diplomática que concilie as ambições das duas partes em um acordo para suspender as hostilidades.

Zelensky já flexibilizou sua posição de advogar pela entrada do país na Otan e se conforma com o fato de que não reaverá os territórios invadidos por rebeldes russos nas províncias de Lugansk e Donetsk.

Mas por que os russos também não cedem em suas exigências para fazer um acordo de paz?

Na esfera militar, a Rússia ainda não conseguiu conquistar território ucraniano suficiente para clamar ao menos uma vitória parcial. Parte disso se deve ao esforço do exército da Ucrânia em retardar a invasão.

“O momentum do campo de batalha não é bom para a negociação”, afirmou o analista militar Alessandro Visacro, autor dos livros “Guerra Irregular” e “A Guerra na Era da Informação” (Editora Contexto).

“Hoje, a Rússia está em uma posição desvantajosa para negociar. Se ela já tivesse conquistado o leste da Ucrânia, estaria numa posição de força melhor”, afirmou.

“Toda a diplomacia é baseada em força. Quando um diplomata senta para negociar, a primeira coisa que ele coloca na mesa é aquilo que a força assegurou para ele”, disse Visacro.

Ou seja, se concordasse em fazer a paz agora, em tese, Putin não conseguiria apresentar ao seu público interno resultados que justificassem a campanha militar e correria o risco de perder valioso capital político. É por isso que Moscou não tem apetite para um cessar-fogo imediato e possivelmente vai aumentar a intensidade de suas ações de combate.

O que a Rússia pode fazer no terreno antes de entrar em uma negociação de paz real? É muito difícil prever esse cenário, mas há algumas possibilidades.

Uma delas é arrasar ainda mais cidades como Kiev, Kharkiv e Mariupol, fazendo bombardeios contra grandes bolsões de resistência urbana. Isso agravaria a situação humanitária e forçaria os ucranianos a ceder mais espaço em uma negociação de paz.

A eventual tomada da capital Kiev por tropas russas seria uma grande vitória política e poderia desestruturar o governo ucraniano. Isso poderia ser exibido por Putin como uma vitória para justificar a guerra. Mas o preço para a Rússia seria a morte de um número muito elevado de soldados, devido às características do conflito em grandes centros urbanos.

Moscou também pode avançar sobre as cidades de Mariupol e Odessa a fim de conquistar todo o litoral ucraniano - criando uma faixa de terra contínua para ligar a Transnístria (região na Moldávia onde já há tropas russas) à Crimeia e ao território russo. Isso privaria a Ucrânia de sua saída para o mar e daria à Rússia importantes portos quentes (que podem ser operados durante todo o ano, porque não congelam).

Em um cenário mais ambicioso, as tropas russas poderiam avançar do norte e do sul para tomar a margem ocidental do rio Dnieper, que corta o país ao meio. Isso ameaçaria as tropas ucranianas do leste com o isolamento e possivelmente deflagraria sua retirada para o oeste. Tal manobra garantiria o controle de Moscou sobre um território onde a população ucraniana tem grande ligação étnica com a Rússia.

Se isso ocorrer, a Ucrânia poderia ser desmembrada em dois países. Um a leste, sob influência russa, e outro a oeste, ligado à Otan e à União Europeia. Em tese, isso seria mais interessante para a Rússia do que partir para uma anexação total do território - que implicaria em uma longa e desgastante guerra de guerrilha contra a resistência ucraniana.

Esse cenário permitiria à Rússia clamar vitória, afirmando que o território a leste do rio Dnieper seria suficiente para fornecer o que se chama no jargão militar de “profundidade estratégica”. Ou seja, parte do território ucraniano serviria como área de proteção para a Rússia contra um eventual ataque da Otan. Esse conceito permeia o imaginário russo desde a guerra contra o exército napoleônico.

Em resumo, qualquer um desses cenários de desenvolvimento da guerra aumentaria a probabilidade da Rússia aceitar um acordo de paz real.

Cessar-fogo vs. paz duradoura

Segundo o analista de risco e ex-major do Exército Nelson Ricardo Fernandes da Silva, a Rússia está aberta a negociar a paz com a Ucrânia, mas para aumentar seu poder de barganha, não deve conceder um cessar-fogo em um futuro próximo.

“A cada negociação, o russo tem mais coisas para botar na mesa, como mais território ocupado e mais refugiados pressionando a Europa”, afirmou.

Por outro lado, não interessa a Moscou manter a guerra indefinidamente. Isso porque só após um cessar-fogo a Rússia poderá negociar com o Ocidente a possível retirada de sanções econômicas - que já derrubaram em um terço o valor da moeda russa e desestabilizaram sua economia interna e balança comercial.

“Vejo que tem mais espaço para negociação”, afirmou Fernandes da Silva. Segundo o analista, embora Moscou ainda não tenha atingido um grande objetivo militar, já avançou muito no campo estratégico e político.

Isso porque, com a invasão da Ucrânia, o país deixou de ser uma força marginal e voltou a ser reconhecido como uma grande potência mundial - capaz de desestabilizar o cenário da segurança mundial.

Além disso, Moscou também mandou um recado claro para países fronteiriços como Geórgia, Moldávia e Finlândia, sobre o que pode acontecer se tentarem entrar na Otan.

Porém, o efeito contrário foi provocado em países mais distantes da fronteira, como a Suíça, que decidiu tomar partido do Ocidente, congelando reservas em dólar da Rússia, após anos de neutralidade.

Outros cenários que podem facilitar uma negociação de paz são um eventual desgaste demasiado das forças russas e uma possível falta de recursos financeiros para manter uma campanha militar prolongada. Não é possível descartar também que o presidente Putin sofra pressões internas da Rússia para encerrar o conflito.

Assim, todos esses fatores indicam que um cessar-fogo é improvável em um futuro próximo. O objetivo mais concreto, que pode ser negociado a curto prazo, é a retirada de civis de regiões atingidas pela guerra, por meio de corredores humanitários.

Mas isso não significa que a negociação para uma paz duradoura vai deixar de ocorrer, mesmo enquanto o campo de batalha continua cobrando seu preço.

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