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Jogos de Guerra

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Coluna semanal com reportagens exclusivas sobre assuntos militares, indústria bélica, forças armadas, zonas de conflito e geopolítica, com o jornalista Luis Kawaguti. Assista também à live semanal no canal do YouTube da Gazeta do Povo.

Guerra na Ucrânia

Vladimir Putin pode fazer a OTAN rachar?

Manifestante carrega cartaz com mensagem contra Putin em manifestação realizada nesta terça-feira (22) em Lausanne, na Suíça (Foto: EFE/EPA/LAURENT GILLIERON)

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O objetivo inicial do presidente russo, Vladimir Putin, ao invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro era conter o avanço da OTAN (aliança militar ocidental) em direção à fronteira da Rússia. Para isso, Moscou pretendia derrubar o governo do presidente Volodymyr Zelensky - que tentava fazer seu país entrar para a aliança.

Zelensky não caiu até agora e a credibilidade do próprio Putin foi colocada em jogo. Esse novo cenário tem feito uma hipótese começar a ganhar força entre analistas militares e políticos. Moscou pode estar mirando em um objetivo mais alto: atacar a Polônia ou a Romênia com o objetivo de criar uma fratura na própria OTAN.

Mas e o artigo 5 de defesa coletiva, que fundamenta a Organização do Tratado do Atlântico Norte?

Ele determina que um ataque a um país-membro deve ser considerado um ataque a todos os aliados. Em tese, exigiria uma resposta militar conjunta de toda a aliança.

É a viabilidade política dessa resposta militar conjunta que começa a ser colocada em dúvida.

Estados Unidos, Alemanha, França e Grã-Bretanha, entre outros, iriam ao socorro de um país do leste europeu membro da OTAN sob a ameaça de armas nucleares russas? Eles arriscariam deflagrar a Terceira Guerra Mundial? Ou tentariam colocar “panos quentes” e negociar com Putin à la Neville Chamberlain?

Um cenário ainda remoto, mas que não pode ser descartado, seria Moscou usar mísseis de cruzeiro para bombardear linhas de suprimentos de armas para a Ucrânia dentro do território polonês.

É notório que parcela significativa do US$ 1 bilhão em armas de defesa antitanque e antiaéreas que foram enviadas para a Ucrânia passou pela Polônia e cruzou a fronteira em comboios terrestres.

A Rússia já até bombardeou com mísseis, na semana passada, uma base militar ucraniana em Yavoriv. Situada a poucos quilômetros da fronteira polonesa, ela estaria sendo usada para estocar essas armas.

Por não se tratar de uma invasão completa, um eventual ataque russo dessa natureza dentro da Polônia provocaria um debate entre os membros da aliança ocidental sobre a necessidade ou não de intervir militarmente.

Atualmente, a OTAN possui pouco mais de 25 mil militares aquartelados em sua frente oriental - formada por Estônia (2 mil tropas), Letônia (1,7 mil), Lituânia (4 mil), Polônia (10,5 mil). Eslováquia (2,1 mil), Hungria (800), Romênia (3,3 mil) e Bulgária (900).

Em caso de mobilização, a eles se somariam mais 290 mil militares dos exércitos nacionais desses países - a maior parte poloneses (120mil) e romenos (76 mil).

Nesta quarta-feira, 23, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que os contingentes da aliança na frente oriental serão dobrados - com novas unidades sendo enviadas para a Romênia, a Bulgária, a Eslováquia e a Hungria.

O reforço pode ser um recado para dissuadir Putin de um ataque, mas não quer dizer que ele não possa ocorrer.

Os governos da Polônia, da República Tcheca e da Eslovênia possivelmente pressionariam por uma resposta robusta ou até pela declaração de guerra. Eles poderiam ser apoiados pelos países bálticos e possivelmente pelo Canadá - nações que vêm demonstrando grande apoio político aos ucranianos desde o início da guerra.

Mas como reagiriam os países europeus mais distantes do conflito? Muitos ainda dependem do gás russo - especialmente a Alemanha - para o aquecimento de casas e geração de energia elétrica.

Longe do sofrimento da guerra, alguns também enxergam com ressalvas até mesmo as sanções econômicas impostas à Rússia (pois as sanções prejudicam economicamente tanto o sancionado como quem aplica as sanções).

Putin poderia apostar que essas nações se recusariam a declarar guerra à Rússia e buscariam uma solução diplomática. Isso deflagraria debates intensos em cada membro da aliança e poderia resultar em uma fratura irreversível na OTAN.

Se isso ocorresse, não seria a primeira vez que a Polônia seria abandonada pelos seus maiores aliados. Ela era a primeira aliada da Grã-Bretanha quando foi invadida pelos exércitos nazistas em 1939 e não recebeu apoio militar imediato nem dos franceses nem dos ingleses - que se limitaram a enviar mantimentos de paraquedas para a resistência polonesa.

Posteriormente, a Grã-Bretanha e a França declaram guerra à Alemanha nazista, mas o socorro de tropas no terreno à Polônia nunca chegou - e ela acabou invadida pela União Soviética. Essa história não foi esquecida pelos poloneses.

No início da Segunda Guerra Mundial, os britânicos também concordaram em aceitar que os nazistas se apossassem de territórios tchecos, em uma tentativa de conter Hitler diplomaticamente. Assim, as memórias por lá da ajuda ocidental também não são muito positivas.

Dessa maneira, se o cenário de uma possível fratura da OTAN se concretizasse no decorrer da guerra na Ucrânia, a vitória política de Putin seria muito maior do que a almejada por ele no início do conflito.

Profundidade estratégica

Ao iniciar a guerra atual para evitar a expansão da OTAN sobre a Ucrânia, o presidente russo visava obter a chamada profundidade estratégica - um conceito de defesa que vem permeando o pensamento militar russo desde a invasão napoleônica da Rússia, em 1812.

Naquela época, a Rússia lutou uma guerra de atrito, causando muitas baixas no exército invasor na medida em que recuava e cedia território para o inimigo. Processo semelhante ocorreu na Segunda Guerra durante a invasão alemã.

Por causa disso, a Rússia acredita que precisa ter o máximo de território neutro possível entre sua fronteira e a frente oriental da OTAN - e esse território seria formado pela Ucrânia, por Belarus (aliada de Putin) e pela Moldávia.

O raciocínio que valeu para tropas terrestres nos conflitos anteriores hoje é aplicado em termos de tempo de resposta para um ataque de mísseis estratégicos. Se baterias fossem instaladas em Kharkiv, por exemplo, os mísseis poderiam levar menos de dez minutos para atingir Moscou.

Além da profundidade estratégica, ao lutar pela submissão da Ucrânia, Moscou também tenta deixar sua linha de defesa contra a OTAN mais homogênea - o que facilita a defesa.

Portanto, se conseguisse provocar um racha na aliança militar ocidental, Putin conseguiria não só a almejada profundidade estratégica mas, eventualmente, a própria desarticulação da OTAN em relação aos seus moldes atuais.

Mas o presidente russo seria capaz de arriscar o início de uma nova guerra mundial para desestabilizar a OTAN?

A reposta mais razoável seria não. Porém, quase ninguém apostava antes de 24 de fevereiro que Putin lançaria uma invasão de tamanha envergadura na Ucrânia.

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