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Entre os eleitores de centro que ainda cogitam votar em Lula no segundo turno não é difícil encontrar aqueles que depositam em seu vice, Geraldo Alckmin, a confiança de que ele garantirá equilíbrio à chapa e até ao governo. O passado de opositor ao lulopetismo e a imagem de homem religioso são alguns dos pontos mais mencionados por quem não fica constrangido de defender a tese em público. Claro que é uma aposta ingênua e de frágil fundamento, mas isso não se deve apenas à tendência evidentemente totalitária do PT e de Lula, comprovada pela história e assumida textualmente zilhões de vezes, mas também porque Alckmin nunca foi realmente um governante conservador, nem para os padrões mais elásticos do termo.
Numa reportagem que escrevi em abril desse ano explico em detalhes as razões que embasam a afirmação, contudo, para o momento, penso que o exemplo mais esclarecedor está relacionado ao tema dos banheiros unissex em escolas, aos quais Lula se referiu recentemente, numa tentativa desesperada e tardia de se reaproximar do público evangélico. Usando um tom que misturava indignação e deboche, o petista afirmou que esse tipo controverso de sanitário só podia ter vindo “da cabeça de Satanás”. Se Bolsonaro tivesse dito a frase, no dia seguinte advogados militantes o acusariam do crime de transfobia. Como veio de Lula, eles sacaram que era só mentira eleitoreira e deixaram por isso mesmo.
Nesse episódio, provavelmente, Lula deu ouvidos aos seus assessores e, para fazer um aceno mais consistente aos evangélicos, aceitou rechaçar publicamente pontos considerados mais extremos da agenda LGBTQIA+ até por quem é de centro. A questão dos banheiros unissex – ou banheiros de gênero, banheiros neutros – em escolas de crianças e adolescentes entra nessa categoria, sem dúvida. Convém lembrar que, em 2009, o mesmo Lula, enquanto presidente da república, não teve nenhuma dificuldade para assinar o decreto do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3) que, entre outros assuntos moralmente explosivos, como aborto e drogas, falava explicitamente de medidas para combater à "heteronormatividade".
Seguindo a lógica inocente de quem acredita que Alckmin traria equilíbrio à gestão petista, sem deixá-la desandar para extremismos no campo dos costumes, naturalmente, chegaríamos à conclusão de que se até Lula rejeita uma ideia dessas, Alckmin se oporia vigorosamente.
Convém lembrar que, em 2009, o mesmo Lula, enquanto presidente da república, não teve nenhuma dificuldade para assinar o decreto do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3) que, entre outros assuntos moralmente explosivos, como aborto e drogas, falava explicitamente de medidas para combater a "heteronormatividade"
É nesse ponto que a credulidade entraria em colapso, ao menos para aqueles dispostos a abandonar a fantasia quando se deparam com fatos. Em 2017, o governo de Geraldo Alckmin implantou banheiros de gênero em escolas da rede estadual de São Paulo para atender aos 365 alunos que foram registrados naquele ano com o nome social. Na prática, eram banheiros comuns, masculinos e femininos, mas os meninos que se identificassem e fossem registrados com gênero feminino tinham autorização para usar o mesmo banheiro frequentado pelas meninas da escola.
A medida teve pleno conhecimento do governador que não apenas autorizou sua execução, mas permitiu que a mesma fosse amplamente divulgada nos canais digitais do governo e via assessoria de imprensa. Fora do período eleitoral ainda é possível acessar o histórico de notícias sobre o tema no site da Secretaria de Educação. Por enquanto, é possível ver algumas delas em sites de notícias locais que a reproduziram. O texto enfatizava, aliás, que “todas as unidades de ensino da rede estadual devem seguir as recomendações da Secretaria da Educação para o uso do banheiro e respeito ao tratamento por identidade de gênero”.
A preocupação da pasta em promover os banheiros de gênero era tão grande que foi organizada uma “série de documentos orientadores e videoconferências sobre o assunto”. O conteúdo esteve disponível para as diretorias regionais de ensino e escolas estaduais. A secretaria conclui a nota lembrando que “todos devem seguir a lei estadual nº 10.948, que versa sobre discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero”. A referida lei foi sancionada em 5 de novembro de 2001, pelo então governador Geraldo Alckmin, que estava em seu primeiro mandato.