Com esta fórmula este jornal apresentava sua missão no editorial da edição de número um, há exatos cem anos atrás. Pensando na atualidade desta ideia escrevo agora – para dividir com o leitores impressões sobre certas características permanentes da atividade jornalística, ainda que em meio a imensas mudanças.
A frase, em 1919, indicava um desejo incipiente na sociedade curitibana: a possibilidade de se manter um jornal que não dependesse do governo para viver. Tal dependência era a regra quase absoluta num momento em que o número de eleitores era pequeno – e o interesse de manipulação destes poucos pelas autoridades, empregando dinheiro público para se manter no poder, muito grande.
Viver do povo significava buscar leitores independentes, capazes de pagar por informação qualificada. Mas também significava buscar anunciantes dispostos a pagar por espaço publicitário. Essas duas fontes de renda bancaram os gastos necessários para o jornal cumprir o desiderato de viver para o povo, de levar a informação que interessava mais ao leitor que o governante.
Hoje qualquer leitor é capaz de perceber retrospectivamente que a Gazeta do Povo foi capaz de cumprir seu propósito, sobretudo graças ao que todos ao redor construíram: basta olhar para a riqueza da economia e da sociedade paranaenses espelhadas nas edições eletrônicas para se ter uma medida do sucesso. Nelas continua a reverberar a finalidade essencial de todo o empreendimento.
Mas esta continuidade não é exatamente simples. Nos primeiros anos fazia parte da vida diária da publicação esforços como o expediente de colocar notícias pregadas na porta ou o pregão a viva voz dos conteúdos que estavam sendo trabalhados a partir da janela da redação. O surgimento do rádio permitiu uma grande ampliação deste esforço através da primeira mídia eletrônica conhecida.
E ainda assim não foi o suficiente. Todo o esforço teve de ser reinventado na década de sessenta, quando a conglomeração de mídias foi um desafio obrigatório para a sobrevivência.
E tudo teve de ser reinventado novamente com o surgimento da internet, revolução capaz de jogar por terra todo o receituário de sucesso arduamente construído.
O enfrentamento deste último desafio exigiu mais uma vez reconstruir um veículo capaz de cumprir sua finalidade essencial neste novo ambiente. A ousadia, neste caso, consistiu em aceitar as mudanças até as últimas consequências, com uma aposta radical no fim do jornal de papel e na capacidade de unir novamente uma comunidade, agora centrada da internet.
Nesta nova espécie de comunidade a missão essencial que completa um século se torna mais importante do que nunca. Valores relevantes como a independência, a liberdade de opiniões ou a capacidade de empreender – aqueles que sustentam todo o trabalho feito até agora – apenas podem prosperar com o esforço comunitário de manutenção do veículo num ambiente no qual a diversidade tem um grande peso.
A cada reconstrução há perdas, mas também ganhos. Até pouco tempo atrás o caráter comunitário de um empreendimento jornalístico era imperioso pelo fato de que as informações relevantes para manter os liames interpessoais dependiam de coleta local. Hoje, o desafio exige também a criação de espaços para a presença do distante.
Nessa nova posição estou também: aquele que se deixou atrair pela possibilidade de compartilhar na construção do segundo centenário da história da Gazeta do Povo, ainda que não sendo curitibano. Certos valores valem a pena.