O ambientalista paranaense José Álvaro da Silva Carneiro, 71 anos, não esconde a satisfação quando vê impresso numa camiseta o slogan “Resista como uma araucária”. A “peita” – palavra divertida para nominar o ativismo shirt – é um sinal da simpatia popular pela árvore símbolo do Paraná, cujo destino – sabe-se – não foi o de uma novela da seis. Menos de 1% da cobertura original sobreviveu à fúria da extração da madeira, descrita como a mais veloz devastação em escala da humanidade.
“Se a destruição fosse um plano, teria sido incrivelmente bem realizado”, diz. Não tem remédio, o bioma se fue, mas há pequenos atalhos capazes de garantir aos moradores do século 21 a mínima noção do que era uma floresta de pinheiros. Álvaro figura entre os que sonham com a garantia desse direito.
Ouvi-lo falar do assunto é uma viagem à moda coronel Fawcett, Sebastião Salgado ou herói a contento. Pudera. O ex- -bambam do mundo corporativo tem no currículo expedições de defesa a tudo que é canto do país – Serra Pelada, Juréia, ações em prol da Mata Atlântica e brigas de foice à frente do Ibama. Fundou ONGs. Chutou canelas para fazer valer o lema “pensar global para agir local”. A lista de seus feitos é parruda, mas quase o levou a perder a ternura. “Botei na cabeça que não queria me tornar uma pessoa amarga. Deixei de ser um ambientalista apimentado”, diz, a propósito do estigma que pesa sobre os militantes ambientais.
Há pouco mais de uma década, saiu da linha de frente do pega-pra-capar e passou a integrar a equipe gestora do Complexo Pequeno Príncipe, ao lado da companheira – Ety Forte Carneiro. Ali encontrou um jeito próprio de defender o meio ambiente. A questão não sai do seu radar – esteja Carneiro à frente da implantação de um laboratório avançado ou em conversa trivial com pacientes. “O hospital salvou o ativista”, resume, tendo nas mãos uma de suas proezas – a reedição do livro Araucarilândia, de F.C. Hoehne, escrito em 1930. Ganha um saco de pinhão quem imaginou que há 90 anos o explorador paulista cantou a bola de que não sobraria tronco sobre tronco.
Pois é. Em 2014, Álvaro lançou uma edição fac-similar da raridade, que logo virou um fetiche de colecionador. O preço do livro ganhou as alturas nos sebos. Hoehne era um desconhecido da maioria. Já a profecia que fez sobre o pinheiro-do-paraná, não: é uma realidade visível de qualquer janela da cidade que ainda emoldure uma solitária araucaria angustifolia.
Da inesperada curiosidade em torno de Hoehne nasceu a segunda rodada do projeto – iniciada em janeiro. Araucarilândia agora pode ser baixado na rede, com acréscimo de vídeos de oficinas ambientais e um “Concerto às araucárias”. O pacote todo reúne o músico João Pedro Teixeira, a luxuosa parceria do cineasta Luciano Coelho, do fotógrafo Zig Kock e da diretora de teatro e atriz Ana Rosa Tezza. Além dos artistas, foram convocados para a empreitada os estudiosos Clóvis Borges e João Paulo Capobianco. A muvuca toda serve de antídoto contra as desventuras que atentam a natureza.
Em tempo. O encontro entre Hoehne e José Álvaro tem um quê de criador e criatura. O primeiro descobriu o Paraná e Santa Catarina nos anos 20, a bordo do vagão de trem. Encantado com o que viu, cunhou o termo “Araucarilândia”. O segundo, nascido de uma família de intelectuais, viajou na infância, de monomotor, até Palmas, no Sul do PR, e viu lá de cima as copas escuras. Era “Araucarilândia”, como entendeu anos depois, ao ganhar do pai, Newton Carneiro, uma edição rara da obra de Hoehne. O feitiço virou razão de viver. Sorte a nossa.
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