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José Pio Martins

José Pio Martins

Câmbio

A crise do dólar como moeda padrão

EUA taxa de juros
Inflação norte-americana é a maior em 40 anos. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Entre as publicações internacionais de assuntos políticos e econômicos, em termos teóricos e técnicos, as do Peterson Institute for International Economics (PIIE) estão entre as melhores. Os conteúdos são de ótima qualidade e fogem de fanatismo ideológico e partidário. O PIIE é sediado em Washington, mas suas matérias cobrem todos os países e são ricas em dados, análises e teses para reflexão.

O PIIE vem cobrindo os movimentos econômicos, financeiros e políticos, especialmente sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, insegurança alimentar, crise energética, sanções econômicas, inflação e enfraquecimento do dólar como moeda padrão internacional. Este último ponto é o que abordo neste texto, em alguns aspectos apenas.

A inflação e a explosão da dívida pública dos Estados Unidos causaram perda do poder aquisitivo do dólar e aumentaram a discussão sobre a função do dólar como moeda padrão internacional. Esse debate tende a ser expandido e o futuro deste papel do dólar está sob ameaça, mesmo sendo difícil saber o que pôr no lugar.

Com vários países emitindo dinheiro sem controle e o agravamento da crise que culminou com a grande depressão em 1929, a desvalorização das moedas feriu o antigo padrão-ouro de morte

O assunto é teoricamente complexo e o funcionamento operacional apresenta complicações que tornam difícil entender sua essência, sobretudo para quem não é familiarizado com o sistema monetário internacional e as operações comerciais e financeiras de mercado exterior. Tendo trabalhado no ramo e estudado o tema para ministrar aulas, dei-me conta da complexidade das operações com diversas moedas e o papel do dólar.

Uma pergunta comum é: por que o dólar, e não outra, é a moeda padrão internacional? O padrão dólar foi criado em 1944 na conferência realizada na cidade de Breton Woods, estado de New Hampshire, nos Estados Unidos, em substituição ao padrão-ouro, que vinha se esgotando. O padrão-ouro clássico vigorou de 1815 a 1914 com a moeda de cada país cotada em relação a uma onça de ouro (uma onça é medida para pesar objetos e equivale a 28,35 gramas).

O padrão-ouro apresentou problemas a partir de 1914, ano em que começou a Primeira Guerra Mundial, e foi perdendo prestígio e aceitação como unidade monetária de comércio entre países, em razão da emissão de dinheiro para financiar o esforço de guerra. Mesmo após a guerra terminar, em 1918, a insensatez dos governos continuou e as emissões de moeda promoveram inflação e desvalorização de seu valor em relação ao ouro.

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Um dos casos mais emblemáticos dos déficits públicos e emissões monetárias descontroladas foi a hiperinflação alemã, em 1923. Com vários países emitindo dinheiro sem controle e o agravamento da crise que culminou com a grande depressão em 1929, a desvalorização das moedas feriu o padrão-ouro de morte, mas nada melhor foi posto em seu lugar.

O mundo seguiu cambaleando até 1945, e o padrão-ouro, que já não cumpria as funções esperadas de uma moeda padrão internacional, foi substituído pelo padrão dólar, criado em julho de 1944, na já citada conferência de Bretton Woods. Nessa conferência, foram criados também o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), conhecido como Banco Mundial.

Nos debates em Breton Woods, a escolha do dólar como moeda padrão do comércio exterior se tornara óbvia, por atender a três condições: 1. ser moeda de um país com um produto nacional grande o suficiente para lastrear a moeda; 2. ser moeda de um país com estabilidade monetária e baixa inflação; 3. ser moeda de um país capitalista, democrático e com estabilidade jurídica.

Mesmo com suas fragilidades – e uma delas é a inflação norte-americana –, o dólar deve continuar predominando como moeda padrão internacional

A escolha do dólar se tornou óbvia e recebeu aprovação do Congresso Nacional dos Estados Unidos em julho de 1945, três meses após o fim da Segunda Guerra. Embora o dólar não fosse perfeito como substituto do padrão-ouro, ele foi útil por estar subvalorizado em 1945 e ter se tornado escasso diante da grande procura por dólar feita por detentores de outras moedas (que estavam supervalorizadas).

O objetivo primeiro era buscar e garantir a estabilidade monetária das nações, a partir do compromisso dos 44 países que firmaram o acordo de Bretton Woods para que cada país fosse obrigado a manter a taxa de câmbio fixa de sua moeda em relação ao dólar, permitida flutuação de 1%, e o dólar teria uma base fixa em relação ao valor do ouro.

Começaram ali fortes emissões de dólares pelo governo dos Estados Unidos, o dólar foi perdendo valor (é a lei da oferta e da procura em ação) e apresentou novos problemas 23 anos depois, em 1968, à medida que os países europeus seguiam aumentando seu estoque de dólares, comprados a preços diminuídos. Paralelamente, os Estados Unidos vinham apresentando déficits no comércio com o resto do mundo... e os países que detinham estoques de dólares intensificaram movimentos de trocar seus dólares por ouro.

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Rapidamente, percebeu-se que o estoque de ouro não era suficiente para atender à demanda, levando o presidente Richard Nixon a baixar medidas pesadas em agosto de 1971, que incluíam congelamento de preços e salários, na tentativa de conter a explosiva inflação, e o fim do lastro em ouro para os dólares emitidos. Pela primeira vez na história do país, os Estados Unidos passaram a ter uma moeda fiduciária (baseada na confiança), sem lastro em ouro. E assim funciona até hoje, com pequenas alterações.

Há outra pergunta: é possível o dólar deixar de ser a moeda padrão internacional? A resposta é “sim” e “não”. Eu explico: sim, porque já há experiências de negócios de comércio exterior sendo realizados em outras moedas que não o dólar. A União Europeia tem 27 países e 19 deles adotaram o euro como moeda nacional; logo, há comércio entre nações firmados e liquidados em euro. Outro exemplo: a China andou experimentando negócios com a Austrália e com a Rússia na moeda de um desses países, sem passar pelo dólar.

Embora o dólar já tenha cedido lugar a operações internacionais em outras moedas, a maior parte dos negócios de comércio exterior ainda é feita em dólar. No caso de empréstimos entre bancos, e entre bancos e empresas de países diferentes, há tempo eles são feitos em dólar e também em diversas outras moedas.

Em resumo, mesmo com suas fragilidades – e uma delas é a inflação norte-americana –, o dólar deve continuar predominando como moeda padrão internacional, mas operações feitas em outras moedas tendem a aumentar. Isso, no entanto, é assunto para outro texto.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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