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Costumo provocar meus amigos administradores para me dizerem por que, nos congressos de gestão empresarial, eles adoram incensar os casos de sucesso e nunca analisam os casos de fracasso. É raro ver uma apresentação sobre casos de organizações que, mesmo tendo amplas condições para o sucesso, acabaram fracassando implacavelmente.
Além disso, os palestrantes abusam na menção aos casos das estrelas do mundo corporativo, sobretudo aquelas ligadas ao universo da tecnologia e das inovações, como Google, Apple, Facebook, Amazon e similares. Quando o assunto trata de gestão, é quase impossível ver um palestrante não usar essas corporações como exemplo de sucesso.
Nada de errado com esses casos, que são interessantes e merecem ser estudados. O problema é falar somente dos casos de sucesso e usar sempre as mesmas empresas como referência, no mínimo por três razões: primeiro, porque não há fórmula única para o sucesso; segundo, porque a receita que deu certo para uma empresa disruptiva lá no meio dos Estados Unidos pode não se aplicar a empresas no interior do Brasil, no Sul da África ou Norte da Ucrânia; e terceiro, porque às vezes é mais útil estudar os casos de fracasso, pois os erros são nossos maiores mestres.
É problemático falar somente dos casos de sucesso e usar sempre as mesmas empresas como referência
Aqui no Brasil, há muitos casos de empresas que nascem, constroem uma história bonita, tornam-se ícones em seus ramos e, de repente, percorrem o caminho do declínio. Em empresas familiares, esses casos são tantos que é útil e educativo estudá-los e aprender com seu fracasso. O assunto “empresa familiar e família empresária” tem me interessado, pois é imenso o número de grupos familiares que crescem, entram em declínio, quebram ou são vendidos.
Compulsando velhas obras sobre o tema, revi um livro bastante bom, intitulado Como as Gigantes Caem, de Jim Collins. Logo nas primeiras páginas a obra já está justificada. Jim Collins listou “os cinco estágios do declínio” percorridos, se não por todas, ao menos por grande parte das empresas que fracassam. Se adaptado, esse percurso se aplica a nossa vida profissional e nosso comportamento no trabalho.
Lembro um alerta que li dizendo que “a decadência e a ruína se insinuam em silêncio, às vezes lentamente”. Quando você está por cima, é o melhor profissional ou a melhor empresa, a badalação e a massagem em seu ego podem ocultar o fato de que você, ou sua empresa, já começou a trilhar o caminho do declínio. Então, como ver o perigo com antecedência? Jim Collins resume seus alertas em cinco estágios.
Estágio 1: O excesso de confiança proveniente do sucesso. Isso ocorre quando o executivo ou empresário ultrapassa a linha divisória entre a autoconfiança e a arrogância. O sucesso pode cegar o indivíduo, deixá-lo com a síndrome do infalível e sentir-se blindado contra o fracasso. É quando erros começam a ser cometidos.
Estágio 2: A busca indisciplinada por mais. A arrogância induz o profissional ou a empresa a buscar sempre mais (mais crescimento, mais poder, mais aplausos), de forma apressada, sem planejamento e sem disciplina. Um alpinista que escalou várias vezes a mesma montanha pode subestimar as dificuldades, confiar demais em sua habilidade e ser menos diligente. E aí, ele cai.
Estágio 3: A negação dos riscos e dos perigos. Esse estágio é peculiar. O sucesso leva as pessoas e as empresas, por arrogância, a não perceberem os erros e os sinais de perigo. É quando se recusam a ouvir e começam a negar os problemas e os riscos. Há tempo, li a seguinte frase na revista Exame: “Quanto mais longo for o histórico de sucesso, mais próximo está o dia em que erros serão cometidos”.
Embora os erros sejam nossos maiores mestres, a experiência é uma escola muito cara; logo, devemos fazer um esforço para aprender com os erros e os fracassos dos outros
Estágio 4: A luta desesperada pela salvação. É quando não dá mais para negar a decadência e o desastre iminente, e então começa a luta desesperada e desorganizada para evitar o fracasso. Mas às vezes já é tarde demais, e as pessoas já não fazem as coisas certas e tentam saídas ridículas e impróprias. Os arrogantes até tentam algum lance de sensatez, mas, em geral, o fazem tarde demais, quando o fracasso está próximo e se torna inevitável. Eu vivi isso por dentro quando fui chamado a trabalhar para um banco paranaense que já estava no estágio 4. A empresa podia ser salva, mas teria de ser vendida; a velha família não tinha mais salvação financeira.
Estágio 5: A entrega à irrelevância ou à morte. Esse estágio é chocante. Atualmente, há empresas e empresários perto de nós que estão neste estágio. Estão aí sobrevivendo, mas sem a mesma relevância, longe do brilho anterior. Muitas agonizarão por anos até o fim total, ou serão vendidas antes.
Dia após dia, lemos notícias de empresas familiares que viveram esse drama, passaram pela mesma experiência e pelos mesmos estágios, e cujo fim foi verem suas fortunas dizimadas e o desaparecimento de empresas construídas com muito trabalho e devoção. Lembro de Shakespeare, em Hamlet, alertando: “Está em nós mesmos, meu caro Brutus, e não nas estrelas, as causas de nossas desgraças”.
Complemento dizendo que, embora os erros sejam nossos maiores mestres, a experiência é uma escola muito cara; logo, devemos fazer um esforço para aprender com os erros e os fracassos dos outros. Essa tarefa, entretanto, requer desprendimento, leitura, estudo, observação e uma luta contra nossos demônios interiores, entre eles o demônio de que somos infalíveis.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos