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José Pio Martins

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Sociedade

O vale de lágrimas de Schopenhauer

Pressão excessiva por sucesso na sociedade japonesa levou ao surgimento de uma legião de jovens que optaram pelo isolamento. (Foto: Jason Goh/Pixabay)

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Três informações me levaram ao filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860), um sujeito complexo, em quem todos reconheciam três atributos: enorme genialidade, elevado pessimismo e impaciência com os medíocres. A conexão com a realidade atual está em uma passagem, na qual Schopenhauer afirma que a vontade é, no ser humano, a determinante do desejo de viver, do sentimento de posse e da busca por dominar e se autoafirmar. Assim, a vida humana é toda dedicada a querer e adquirir.

Schopenhauer manifestava seu pessimismo dizendo que estamos o tempo todo buscando realizar nossa vontade, que é insaciável. “O desejo, por sua natureza, é dor; sua realização traz rapidamente a saciedade; a posse mata todo o encanto; o desejo ou a necessidade de novo se apresentam sob nova forma; senão, é o nada, é o vazio, é o tédio que chega”.

E, para finalizar sua digressão sobre o tema, que é longa, Schopenhauer afirmava que o mundo é um vale de lágrimas, onde a dor, a doença, o tédio e o sofrimento são a norma, e termina com o inescapável destino de que “para a maioria dos homens, a vida não é outra coisa senão um combate perpétuo pela própria vida, que ao final será derrotada”.

Na Europa, a diminuição no número de filhos por mulher coincidiu com a pandemia de 2020 e 2021 e com o enorme desalento dos jovens ante a falta de empregos, seu desencanto com as perspectivas e o assustador aumento nos casos de depressão

Sobre as três informações que me levaram de volta a Schopenhauer, a primeira foi uma matéria publicada pela revista Veja em 17 de novembro de 2004 – portanto, há quase 18 anos –, intitulada “Multidão de Solitários”. A matéria dizia: “Para os jovens que moram com a família, o quarto costuma ser uma extensão da personalidade; o esconderijo que lhes permite passar horas isolados, falando ao telefone, ouvindo música, vendo TV, surfando na internet ou simplesmente sonhando. No Japão, esse hábito comum teria produzido os hikikomoris (tradução: recluso ou isolado)”.

A matéria se referia aos quase 1 milhão de jovens japoneses com idade entre 16 e 30 anos que permaneciam reclusos por meses e até anos a fio, eram sustentados pelos pais, dormiam durante o dia, passavam a noite navegando na internet ou jogando videogame, e saíam de madrugada para comprar comida e revistas. Seus contatos eram basicamente virtuais; evitavam contato até com as pessoas da família.

Naquele Japão de 18 anos atrás, a pressão sobre os jovens para que obtivessem sucesso nos estudos, no trabalho e na vida social ainda era enorme. Os hikikomoris eram os que não aguentavam a pressão, fugiam da competição e se retiravam da sociedade. Já os pais preferiam esconder esses filhos a expô-los publicamente, pois um filho sem sucesso era motivo de vergonha.

Não tenho informações seguras sobre o que no Japão mudou desde aquele ano de 2004, mas pressinto que o problema não foi erradicado, sobretudo porque novos problemas foram adicionados ao mundo dos jovens. Só que desta vez não é somente o Japão que está contaminado pelos novos males, mas quase o mundo todo. O psiquiatra japonês Tamaki Saito observou que, para solucionar a epidemia de reclusão, era preciso fazer algo pelos hikikomoris, pois uma sociedade que abandona os fracos e só valoriza os fortes não é uma sociedade de verdade.

A segunda informação foi publicada em vários países em meados de julho deste ano e se refere à redução da população na Europa, onde a diminuição no número de filhos por mulher coincidiu com a pandemia de 2020 e 2021 e com o enorme desalento dos jovens ante a falta de empregos, seu desencanto com as perspectivas e o assustador aumento nos casos de depressão. Os jovens parecem dar razão a Schopenhauer: a vida é dor e sofrimento, o mundo é um vale de lágrimas.

A população mundial chegará a 8 bilhões nos próximos meses e há previsões de que começará a diminuir mais cedo que o previsto anteriormente. A mudança é tão drástica que 23 países verão sua população cair para menos de metade em 2100, entre os quais estão Espanha (de 46 milhões para 23 milhões), Itália (61 milhões para 31 milhões), Japão (128 milhões para 60 milhões) e Tailândia (71 milhões para 35 milhões). Esses países não são os únicos, outros irão pelo mesmo caminho.

Nenhum país se tornou rico sob o socialismo, mas os capitalistas precisam entender que é preciso melhorar as condições sociais de todos, sem contar muito com o sistema estatal

A terceira informação é um amplo levantamento feito pelo Instituto Gallup em 160 países, cujo resumo está publicado no jornal Valor Econômico do último dia 18 de julho, mostrando que profissionais de todo o mundo estão desconectados emocionalmente de seus empregos e infelizes. Estresse, depressão, desencanto com a carreira – e, por consequência, com a vida – são elementos do mundo nesta terceira década do século 21.

Esses problemas servirão de munição para os inimigos do capitalismo. Os socialistas dirão que o socialismo é a solução. Mas não é! Nenhum país se tornou rico sob o socialismo, que sempre foi um regime opressor e violento contra seu próprio povo. Mas os capitalistas precisam entender que é preciso melhorar as condições sociais de todos, sem contar muito com o sistema estatal, que se deteriorou demais no mundo inteiro eivado de ineficiência, corrupção e corporativismo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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