Ouça este conteúdo
Em dezembro de 2011, publiquei um artigo na Gazeta do Povo intitulado “A decadência do futebol brasileiro”; republiquei-o alguns anos depois e volto ao tema. Naquele artigo, afirmei que o futebol brasileiro estava em decadência, em parte por razões econômicas e empresariais. Naquele ano, o Campeonato Brasileiro havia apresentado uma reta final empolgante, provocando elogios de dirigentes e jornalistas, e foi o que me motivou a escrever.
Para mim, o desfecho daquele Brasileirão era uma ilusão; se houvesse um torneio de futebol na Micronésia, o campeão e o vice-campeão seriam louvados, mas não deixariam de ser muito ruins, por uma simples razão: na Micronésia só há times tecnicamente horríveis. Isso vem ocorrendo com o Brasil, país em que o futebol poderia ser um avançado setor da economia, capaz de gerar produto, renda e emprego.
Os clubes de futebol sempre estiveram entre as piores instituições em termos de gestão, eficiência e moral
Há tempos os times brasileiros vêm se dando mal quando enfrentam equipes de outros países. No passado, a seleção brasileira goleava times sul-americanos, mas hoje sofremos para derrotar Bolívia, Colômbia, Equador e outras equipes que sempre estiveram muito abaixo do Brasil. Grandes times brasileiros começaram a perder para equipes modestas, como a LDU equatoriana e a Universidad de Chile; em 2011, houve o massacre do Barcelona sobre o Santos na final do Campeonato Mundial de Clubes no Japão.
Os clubes de futebol sempre estiveram entre as piores instituições em termos de gestão, eficiência e moral. Uma das causas é o protecionismo de que desfrutam por serem associações sem fins lucrativos, não tributadas e sem fiscalização da Receita Federal. Os clubes cresceram com venda de ingressos, patrocínios, publicidade, direitos de televisão, venda de atletas, venda de material, e é estranho seguirem sendo beneficiados com isenções tributárias (a isenção deveria atingir apenas as receitas de mensalidades dos sócios do clube).
Livres dos tributos e da fiscalização, os clubes atraíram, no passado, contraventores do jogo do bicho, comerciantes de mercadorias ilícitas e políticos corruptos. Os homens de bem que estavam no setor viram-se cercados de gente que estava ali justamente pelo fato de os clubes não serem empresas tributadas. Somente há pouco tempo o futebol começou a atrair empresários e executivos dispostos a tratar esse esporte como um negócio e dirigir os clubes como empresas eficientes e rentáveis.
Em relação aos jogadores, muitas são meninos talentosos, pobres e sem estudo, que pouco evoluem e ficam longe de serem os atletas profissionais de alta performance que o esporte exige atualmente. Quanto aos técnicos, em geral são ex-jogadores, sem ciência e sem formação teórica. Apesar de ter ganho tantas copas, o Brasil nunca viu um único técnico daqui dirigir qualquer time grande do mundo, com exceção de experiências esporádicas logo encerradas. Faltam-lhes estudos, formação, ciência e competência no padrão dos melhores do mundo.
A gestão do futebol no mundo evoluiu; mas, no Brasil, estagnou. Enquanto prevalecerem o protecionismo e o amadorismo, a derrota será a colheita normal. Protecionismo sempre gera ineficiência, a exemplo dos produtores de aço nos Estados Unidos, dos arrozeiros no Japão e de nossa reserva de mercado de informática que durou de 1974 a 1990.
A soma de protecionismo, dirigente despreparado e pouco ético, atleta meio displicente, técnico amador e clube não empresarial só podia dar no que deu. A decadência é notória e a péssima campanha nesta Copa do Mundo é o resultado lógico. Não apenas pela derrota nos pênaltis para a Croácia. O time não jogou nada e, mesmo contra seleções de terceiro nível, marcou pouquíssimos gols e perdeu para o “temível” time de Camarões.
A soma de protecionismo, dirigente despreparado e pouco ético, atleta meio displicente, técnico amador e clube não empresarial só podia dar no que deu. A decadência é notória e a péssima campanha nesta Copa do Mundo é o resultado lógico
Como diz o provérbio chinês: “O plantio é opcional, a colheita é compulsória”. Há alguns dirigentes competentes e honestos. Mas, sozinhos, não conseguem muita coisa. Um começo seria transformar, por lei, os clubes em empresas, tributadas, fiscalizadas e submetidas à Lei de Falências, o que as forçaria a ter administração profissional, focada na eficiência e na rentabilidade.
Amadorismo empresarial não conduz ao sucesso. Quando ministro do esporte, Pelé tentou aprovar lei transformando os clubes em empresas, submetidas a tributação e fiscalização. Não conseguiu. E então seguimos na vocação de, mesmo dispondo de ricos recursos naturais, desperdiçar oportunidades de progredir. O que resta é: em vez de vender o espetáculo, o país seguirá vendendo o artista, todos os meninos talentosos continuarão indo para o exterior... e a seleção continuará perdendo.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos