O marketing político há temos está ciente da capacidade de influenciar as escolhas do eleitor. Imagem ilustrativa.| Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney
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Grandes filósofos fizeram estudos profundos sobre como as pessoas observam, analisam, concluem e fazem escolhas. À primeira vista, esse assunto parece concernente ao campo dos psicólogos. E é. Mas vale lembrar que a Psicologia se constituiu como ciência autônoma há menos de 150 anos, quando se descolou da Filosofia.

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A Filosofia é assim: é a ciência das perguntas, que também faz uso do método científico para descobrir verdades provadas, mas, quando determinadas perguntas passam a ter respostas cientificamente válidas, estas passam a formar uma ciência específica e a Filosofia segue com suas intermináveis perguntas.

Não há data certa para o nascimento da Psicologia como ciência separada da Filosofia, porém aceita-se como marco inicial a inauguração, em 1879, do primeiro laboratório de Psicologia, criado pelo médico e filósofo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920), no qual ele formou a primeira geração de psicólogos.

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Após pesquisas acuradas, Wundt publicou livros e artigos, entre os quais se destaca o livro Principles of Physiological Psychology, em 1904. Seu interesse havia se transferido do funcionamento do corpo humano para os processos mais elementares de percepção e a velocidade dos processos mentais mais simples.

Kant era otimista quanto à possibilidade de o ser humano ser guiado pela própria razão e não levado por crenças, tradições e opiniões alheias

A propósito desse assunto, há tempo resolvi adentrar o espinhoso mundo da filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), que sempre sofri para compreender em função da aspereza de seus argumentos e redação complexa. Kant é reconhecido como um dos maiores filósofos de todos os tempos.

Para muitos, Kant foi um revolucionário na compreensão do mundo. Luc Ferry, filósofo francês ainda vivo, disse que até os especialistas sofrem para entender Kant, o que me deixou aliviado. Para muitos, trata-se do maior filósofo que o mundo conheceu.

Kant era otimista quanto à possibilidade de o ser humano ser guiado pela própria razão e não levado por crenças, tradições e opiniões alheias. Essa condição, ele a rotulou como a saída do homem da menoridade, momento em que ele cresce, amadurece e se torna consciente da força e autonomia de sua inteligência para fundamentar sua maneira de agir, sem a doutrinação ou tutela de outrem.

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Sobre as condições e as circunstâncias nas quais o ser humano adquire o conhecimento, Kant registrou suas teorias no livro Crítica da Razão Pura. Em seguida, ele volta com sua genialidade nas obras Crítica da Razão Prática e Metafísica dos Costumes, dedicadas à ação humana e sua conduta moral.

Sempre me socorro de autores intérpretes de Kant para conseguir absorver aspectos complexos das ideias e teorias desse grande autor. Uma questão intrigante diz respeito a como realmente formamos nossas opiniões e crenças, sobretudo quando elas comportam argumentos literalmente opostos.

Tomemos o caso da política. É possível um eleitor escolher com honestidade intelectual um candidato, e outro eleitor escolher também honestamente um candidato oposto. Ambos os eleitores agem com sinceridade de propósitos, pois julgam estar escolhendo o melhor. Ocorre que a qualidade de ser “melhor” é de natureza comparativa. Melhor é um ou outro.

Então, como chegamos à conclusão de que nosso escolhido é o melhor? Somos realmente livres para formar nossa opinião? Há algum critério científico e objetivo para definir quem é, sem dúvida, o melhor? Certamente não. Nesse tipo de situação, o método científico não gera a verdade real.

Aqui entra a questão do argumento fundado na razão pura. No caso de qual candidato é o melhor, as pessoas podem argumentar a favor de sua escolha usando sua razão, que a rigor não é pura, pois ela depende de suas convicções e ideologias anteriormente incorporadas.

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Marx, que era um burguês, nunca explicou como ele próprio pairava acima de sua própria teoria, não aplicando a si mesmo a tese de que as pessoas pensam segundo a classe à qual pertencem

A razão pura é uma operação intelectual, que pode ou não estar assentada sobre fatos e experimentos baseados na realidade. O problema é que, na análise dos fatos e da realidade, o homem também já entra com suas crenças e ideologias anteriormente assumidas.

Quanto aos eleitores de raciocínio simplório e desprovido de conhecimento, sua escolha será mais facilmente influenciada pelas estratégias de marketing e pelos construtores de imagem, processo em que as aparências publicadas são mais importantes do que o conteúdo real do candidato.

Assim, a ideia kantiana de razão pura, em que o homem seria guiado por seu conhecimento e sua razão livre de interferências externas, acaba sucumbindo às opiniões alheias e às estratégias do marketing político.

Karl Marx (1818-1883) condenava os economistas que defendiam o capitalismo dizendo que as pessoas pensam segundo a lógica da classe à qual pertencem, e afirmava que os tais economistas defensores do capitalismo eram apenas sicofantasdo capital, pois seriam influenciados pelo discurso dos capitalistas.

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Somos racionais, mas também somos influenciáveis e manipuláveis, uns mais e outros menos

Marx nunca explicou como ele próprio pairava acima de sua própria teoria, não aplicando a si mesmo a tese de que as pessoas pensam segundo a classe à qual pertencem, pois ele próprio nunca foi um proletário. Pelo contrário: na estrutura de classes, Marx era um burguês; logo, ele pensaria como um burguês.

Os eleitores são considerados pela legislação como pessoas capazes”, no sentido jurídico do termo, por terem consciência do que fazem; logo, eles sabem distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado. Isso é o que chamamos de discernimento.

Mas, em verdade, o discernimento não basta para que, na escolha eleitoral, prevaleça o princípio da razão pura, pois entram em jogo outras influências. Nossa escolha racional é influenciada por nossas crenças, convicções, sentimentos, interesses, gratidão por favores recebidos e os efeitos do marketing político sobre nós.

Somos racionais, mas também somos influenciáveis e manipuláveis, uns mais e outros menos. Embora a legislação tenha limitado a propaganda política, em larga medida nossa escolha não difere de qualquer outra escolha feita com base em nossas preferências emocionais, afetivas e com influências externas.

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Isso posto, não é de espantar que os malabaristas do marketing político tenham sido estrelas das campanhas eleitorais. Afinal, eles sabem que nossa razão é impura.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]