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José Pio Martins

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Livros de autoajuda: conceitos e preconceitos

(Foto: wal_172619/Pixabay)

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Há anos circulam polêmicas sobre os livros de autoajuda. Para uns, esses livros são vazios, fúteis e destituídos de valor. Para outros, são livros úteis, que ajudam a melhorar os hábitos e o estado emocional das pessoas. De qualquer forma, é grande o número de pessoas que renegam esse tipo de literatura. O conceito geral dos livros de autoajuda é transmitir análises e conselhos em linguagem simples, direta e sem aprofundamento científico.

Muitas críticas acusam tais livros de serem levianos e simplistas. Para alguns, é uma espécie de psicologia sem ciência, conselhos e sugestões generalistas sem base e sem teoria, que tratam as pessoas como se fossem iguais e que a todos se podem aplicar as mesmas receitas. Claro que há livros superficiais e ingênuos, como se o ser humano fosse um interruptor elétrico pelo qual, com um simples toque, se faz a luz ou a escuridão.

Parte da crítica afirma que os autores pensam que basta uma frase e o leitor pode se tornar outra pessoa e mudar crenças e hábitos. O primeiro problema para avaliar a literatura de autoajuda é saber onde fica a linha divisória que separa o livro de autoajuda do livro de ciência. Uma conclusão e um conselho podem ser expostos sem necessidade de detalhar o processo cognitivo do método científico seguido.

O conceito geral dos livros de autoajuda é transmitir análises e conselhos em linguagem simples, direta e sem aprofundamento científico

Já o preconceito está na atitude de quem não gosta de algo sem ter estudado e sem ter experimentado. Além de fazer mal ao desenvolvimento intelectual, o preconceito é estúpido, pois a rejeição a algo não examinado nem experimentado é infantil. Em certos momentos da vida, peguei-me em atitudes de preconceito, que percebi somente bem depois.

Quanto eu cursava o ensino médio, deparei-me com um livro que rejeitei por não gostar do título. Rejeitei sem ler. Mas, sempre, que eu ia a livrarias, lá estava aquele livro, a me perseguir. Um dia, bem mais maduro, cansado da conversa furada do horário eleitoral no rádio, fui à livraria procurar um áudio-livro para ouvir no carro em meu trajeto diário. O único que encontrei foi o tal livro. Comprei e, após oito horas ouvindo, o livro surpreendeu-me positivamente.

Certa vez, o famoso advogado e professor René Dotti foi convidado a fazer palestra sobre sua brilhante carreira, para alunos do curso de Direito na universidade em que eu era reitor. Fui convidado a apresentar o dr. René e ficar à mesa com ele. À certa altura, um aluno perguntou como ele explicava seu sucesso, e Dotti respondeu: “No começo de minha carreira, li um livro que mudou minha vida, minha forma de ver o mundo e alguns hábitos”.

Fez-se suspense! Pensei comigo: “Mas que livro pode ser esse tão decisivo?” Imaginei que fosse a Bíblia ou alguma grande biografia, como a de Jesus, Freud, Immanuel Kant ou Rui Barbosa. Que nada! Dotti disse: “Esse livro, Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnegie, publicado em 1936 e hoje com mais de 50 edições, mudou minha vida”.

Eu havia ouvido o áudio-livro e já havia comprado a versão impressa, e fiquei surpreso com a desenvoltura com que Dotti confessou a importância desse livro, tido e havido como autoajuda simples. Então, pedi a palavra e contei a história de meu preconceito, que me levou a rejeitar o livro sem nenhuma razão lógica, apenas por ter um título simplista.

O fato é que há livros de autoajuda ruins e fracos, e há outros que são ótimos e nos ajudam a melhorar. O mesmo ocorre com os livros de ciência. Nesses dois anos de pandemia, proliferaram distorções no debate sobre ciência e não ciência. A respeitada revista The Lancet é uma das mais importantes publicações na área médica. Certa vez, um diretor da The Lancet declarou que 50% dos artigos médicos pretensamente científicos são falsos.

Há livros de autoajuda ruins e fracos, e há outros que são ótimos e nos ajudam a melhorar

A revista Exame de 5 de julho de 2018 publicou matéria dizendo o seguinte: “A maioria dos artigos publicados, inclusive em revistas sérias, é fraca, diz John Ioannidis, professor de medicina em Stanford, especializado no estudo de estudos. O pesquisador mostrou em um artigo de 2005 por que a maioria dos estudos publicados é falsa”. Se isso é verdadeiro, o amor incondicional a tudo que chamam de ciência é tão estúpido quanto a rejeição a tudo que chamam de autoajuda.

Assim como o rótulo de autoajuda não basta para condenar um livro ou artigo, também o rótulo de ciência não basta para validar um livro ou artigo. A sociedade moderna adora rótulos, os bons e os ruins. Então, a melhor atitude é abrir a mente, estudar, avaliar e concluir. O preconceito e a teimosia são dois hábitos negativos, contra os quais devemos lutar. Não devemos nos deixar iludir pelo rótulo de “ciência” nem simplesmente rejeitar o rótulo de “autoajuda”.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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