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José Pio Martins

José Pio Martins

Economia

Marx e a vitória do capitalismo

Crianças trabalham em tecelagem no estado norte-americano da Geórgia, em 1909. (Foto: United States Library of Congress's Prints and Photographs division)

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Em artigo anterior, falei da distinção entre capitalismo, socialismo e comunismo, feitas por Karl Marx (1818-1883) em sua análise sobre a economia como modo de produção.

O capitalismo é um sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção, liberdade de iniciativa e comércio, liberdade de preços e trabalho assalariado. O socialismo é um sistema sem direito de propriedade privada dos meios de produção (os meios de produção são propriedade do Estado), mercado regulado pelo governo, sem a classe dos capitalistas, com o Estado sendo uma classe. Para Marx, o comunismo seria a etapa seguinte à extinção do Estado, pois a ideia marxista do comunismo é uma sociedade sem classes, e o Estado é uma classe. Marx acreditava que o capitalismo se esgotaria e, por suas contradições internas, seria extinto e daria lugar ao comunismo.

O marxismo foi fruto de uma época e suas teses tiveram e têm enorme repercussão em função da complexa análise que Marx fez do modo de produção capitalista e da condenação ao capitalismo que, para ele, era um modo de produção explorador da classe trabalhadora.

Passados 140 anos desde a morte de Marx, em 1883, nenhum país do mundo chegou a atingir o comunismo, pois este é um sistema sem classes e, como o Estado é uma classe e nunca houve uma revolução que eliminasse o Estado, o máximo que o mundo viu e vê são alguns países socialistas, ou seja, países com economia nas mãos do Estado, ditadura política e ausência de liberdade. É o caso de China, Coreia do Norte, Cuba, Laos, Vietnã e a região separatista não reconhecida da Transnístria.

Por que o capitalismo não foi destruído e é o modo de produção que mais impera entre os países?

Aqui cabe uma pergunta: por que o capitalismo não foi destruído e é o modo de produção que mais impera entre os países? Comecemos com a repercussão da análise marxista – que ainda é bastante presente – e por quais motivos sua pregação ganhou tantos adeptos.

Vale notar que Marx escreveu O Capital quando ainda não havia eletricidade, telefone, rádio, máquina de escrever, automóvel, indústria do petróleo, antibiótico, enfim, o mundo era primitivo se comparado com os meios tecnológicos existentes atualmente. E isso faz menos de dois séculos. Marx nasceu praticamente junto com o surgimento do trem de ferro, e essa era a inovação mais revolucionária que ele conheceu.

A essência da teoria marxista é a luta de classes, mais especificamente a luta entre a classe dos capitalistas (proprietários dos meios de produção) e a classe dos trabalhadores (proprietários apenas de sua força de trabalho). A força da pregação marxista foi centrada na crítica à exploração do trabalho, que pode ser resumida em quatro fatores:

1. As desumanas jornadas de trabalho. A Revolução Industrial teve expansão acelerada entre 1780 e 1830, quando o transporte ferroviário e as novas aplicações das máquinas levaram ao rápido aumento da quantidade de fábricas na Europa e nos Estados Unidos.

Porém, na Europa as jornadas de trabalho eram longas e extenuantes, variando entre 10 e 14 horas diárias, inclusive com o trabalho de crianças. Aquilo era algo que, além do sofrimento imposto aos operários, representava tratamento desumano aos trabalhadores e se tornou fonte essencial da revolta refletida na teoria de Marx.

2. As péssimas condições de trabalho. Além das longas jornadas que tiravam dos trabalhadores a possibilidade de terem outras atividades, as condições de trabalho nas fábricas eram horríveis. Poluição, barulho, péssimas instalações de restaurante, sanitários e climatização.

3. Os baixos salários. Sem escolha, os trabalhadores aceitavam salários que os impossibilitavam desfrutar de padrão de vida digno. Uma das causas dos baixos salários era o excesso de oferta de mão de obra e muitos desempregados, que Marx chamava “exército industrial de reserva”.

4. O descarte dos idosos. Sem assistência gratuita à saúde e sem aposentadoria, envelhecer era, para o operário, um castigo lancinante. Na prática, morria-se muito cedo. A expectativa média de vida não passava dos 45 anos.

As condições dos trabalhadores eram tão deploráveis que Friedrich Engels (1820-1895), amigo e financiador de Marx, publicou o livro Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1845, no qual denunciava as más condições de trabalho e os baixos salários dos operários. Estimulado pela obra de Engels, Marx apontou sua metralhadora giratória para os capitalistas e gestou suas críticas contundentes ao capitalismo.

Entretanto, nos 100 anos que se seguiram à publicação de O Capital, em 1867, o mundo passou por mudanças profundas; o século 20, o mais violento e o mais inventivo, promoveu mudanças radicais nas condições dos trabalhadores, começando pela redução das jornadas diárias e a drástica redução do trabalho de crianças.

Porém, as maiores mudanças no mundo do trabalho começam quando, na metade do século, foi implantada a caixa de seguro-saúde dos trabalhadores do artesanato especializado, na segunda metade do século 19, seguida da “saúde em grupo” nas empresas alemãs, com a participação de empregados e empregadores no custeio, e a implantação do sistema previdenciário a todos os trabalhadores formais na Alemanha no governo de Otto von Bismarck, em 1883, com a participação adicional do Estado.

O capitalismo venceu, mas o comunismo, como ideia, não morreu e tem muitos adeptos atuantes

Na sequência, o mundo conheceu o sistema universalista de assistência (formato adotado pelo SUS no Brasil), nascido na Inglaterra, em 1942, como resultado do plano elaborado pelo economista William Beveridge (1879-1963) por encomenda do governo conservador britânico. Esse plano propôs que todas as pessoas em idade de trabalhar pagassem uma contribuição ao Estado para formação de um fundo destinado a subsidiar os doentes, os desempregados, os reformados (aposentados) e as viúvas, como meio de viabilizar um nível de vida mínimo, abaixo do qual ninguém deveria viver. Adicionalmente, Beveridge propôs ao governo inglês que financiasse o combate a cinco grandes males da sociedade: a escassez, a doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade.

O progresso tecnológico, o enorme leque de inovações, o aumento da produtividade do trabalho, a melhoria dos salários, a legislação sobre as condições de trabalho, a criação de programas de assistência à saúde e os sistemas previdenciários modificaram radicalmente aquele quadro de carência e dor dos trabalhadores, enfraquecendo assim a tese de Marx sobre a emiseração do proletariado.

As críticas de Marx de certa forma ajudaram a melhorar a situação dos trabalhadores, apesar de ainda serem combustível para críticas ao capitalismo, cujos inimigos seguem atuantes. Embora o capitalismo tenha saído vitorioso nessa luta histórica, ilude-se quem pensa que a queda de Muro de Berlim e o desmoronamento do império soviético derrotaram o comunismo e decretaram a vitória do capitalismo de forma definitiva. Ledo engano! O que foi derrotado foram os regimes ditatoriais e sanguinários do império soviético e de outros países, que usaram o marxismo para solapar o capitalismo e implantar ditaduras sanguinárias que exterminaram milhões de vidas.

Embora seja um sistema economicamente superior, o capitalismo precisa mostrar-se capaz de mitigar suas deficiências

Como bem alertou o filósofo André Comte-Sponville, “quando dois sistemas entram em concorrência, nada prova que o desmoronamento de um seja o triunfo do outro”. O capitalismo venceu, mas o comunismo, como ideia, não morreu e tem muitos adeptos atuantes. O comunismo é o único movimento de atuação mundial, que funciona rigorosamente em todos os países. Partidos comunistas e socialistas existem em quase todos, se não todos os países do mundo.

O capitalismo ainda contém sérias chagas. Pobreza, desigualdade social e desemprego que, quando se repetem com indesejada constância, alimentam os inimigos do capitalismo. Embora seja um sistema economicamente superior, o capitalismo precisa mostrar-se capaz de mitigar suas deficiências. Para tanto, é necessário que sobretudo os capitalistas e seus defensores se dediquem a estudar o capitalismo, examinar as críticas a ele, entender suas deficiências (contradições internas, como dizia Marx) e ajudem a combatê-las.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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