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Certa vez, o economista Milton Friedman (1912-2006) começou a meditar sobre a quem pertence o dinheiro gerado pela nação e como esse dinheiro é gasto. Friedman era um emérito pesquisador sobre teoria econômica e sobre o funcionamento da economia real, e gostava de dar uma de Sherlock Holmes, o grande detetive das histórias de ficção policial escritas pelo genial Arthur Conan Doyle (1859-1930).
Sherlock Holmes era um detetive cerebral, um gênio que desvendava os mais complicados mistérios de um crime. Quando perguntado sobre a causa de seu sucesso, Holmes respondeu: “Meu método se baseia na observação de detalhes triviais que escapam aos olhos dos leigos; o mundo está cheio de coisas óbvias que por acaso jamais serão observadas”.
Milton Friedman era uma espécie de Sherlock que fuçava os mais intricados meandros da economia, até onde outros não tinham ido, na tentativa de entender fenômenos reais que a quase totalidade da população desconhecia. Foi nessas idas e vindas de pesquisa que Friedman nos legou verdadeiras pérolas escondidas em trechos e observações casuais.
Os políticos e os burocratas decidem quanto de dinheiro será tomado de nós, que tipo de produto vão nos oferecer, como vão fazer as compras, quanto vão pagar por elas e quando irão nos entregar o que compraram para nós. Nossa opinião aqui pouco importa
Certa vez, o grande economista se perguntou: a quem pertence o dinheiro que circula no país, quem o gasta e de que forma gasta? Usando o raciocínio de Friedman, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2023 ficará em torno de R$ 10 trilhões. A Renda Interna Bruta (RIB) do país tem o mesmo valor monetário do PIB, pois é apenas sua outra face. A carga tributária efetivamente arrecadada pelo governo (municípios, estados e União) equivale a 34% do PIB – portanto, R$ 3,4 trilhões/ano. Assim, restam R$ 6,6 trilhões para gastos do setor privado, pessoas e empresas. Relacionando os R$ 3,4 trilhões do governo com os R$ 6,6 trilhões de renda nacional privada disponível após a tributação, temos 51,5%.
A partir dessa interpretação do chamado “dispêndio nacional”, Friedman listou quatro formas de como nosso dinheiro é gasto, com a intenção inicial de descobrir por que o governo gastava tão mal o dinheiro público. Vamos às quatro formas.
1. Eu uso meu dinheiro para comprar coisas para mim. Nessa situação, eu me preocupo com preço e conteúdo. A preocupação com preço deriva da limitação de minha renda. A preocupação com conteúdo vincula-se a minhas preferências pessoais. Nesse jogo, serei sempre levado a tentar o melhor produto pelo menor preço possível. É a posição antagônica entre comprador e vendedor, em que cada um busca maximizar sua satisfação, que promove a eficiência do mercado e obriga os produtores a serem competitivos sob pena de serem superados pelos concorrentes.
2. Eu uso meu dinheiro para comprar coisas para os outros. Nesse caso, minha preocupação é mais focada no preço e menos no conteúdo. Quando uso meu dinheiro para comprar coisas para os outros, minha renda é que determina minha escolha e meu gasto, e não o gosto do outro. Se eu puder conciliar ambos – preço e conteúdo –, ótimo. Se não for possível, o preço prevalece. A eficiência nesse caso fica um pouco reduzida, pois o outro pode não gostar ou não precisar do que lhe comprei.
Não há crise nem tragédia que faça o governo reduzir o que compra para seus próprios membros com nosso dinheiro
3. Os outros usam meu dinheiro para comprar coisas para mim. Nesse caso, a transação começa a ficar ineficiente, sobretudo quando é o outro quem decide quanto de meu dinheiro ele vai gastar. Assim é a atuação do governo, com a ressalva de que ele toma nosso dinheiro compulsoriamente pelos impostos. O governo usa nosso dinheiro para comprar coisas para nós, como justiça, segurança, saúde, educação, estradas etc. O problema é que os políticos e os burocratas decidem quanto de dinheiro será tomado de nós, que tipo de produto vão nos oferecer, como vão fazer as compras, quanto vão pagar por elas e quando irão nos entregar o que compraram para nós. Nossa opinião aqui pouco importa e, nessa situação, abre-se uma janela para a ineficiência e a corrupção. O governo não é bom para se preocupar nem com preço nem com conteúdo. Essa lógica atrai corruptos e incompetentes atrás de um cargo no governo.
4. Os outros usam meu dinheiro para comprar coisas para eles próprios. Esse é o pior caso: acontece quando os políticos e os burocratas usam nosso dinheiro para comprar coisas para eles mesmos. Basta ver como os políticos e os servidores em posição de alto comando fixam salários, benefícios e mordomias para si próprios. Não há crise nem tragédia que faça o governo reduzir o que compra para seus próprios membros com nosso dinheiro. Não foi assim na pandemia? O governo não conseguiu sequer aprovar uma lei para não dar aumento salarial a seus funcionários. Veja: não era um projeto de lei para reduzir salários dos servidores; era um projeto para não dar aumentos enquanto a tragédia da pandemia continuasse castigando a nação e todos que vivem no setor privado. Empresários, profissionais autônomos e assalariados, todos perderam renda.
Por tudo isso, de início são necessárias três coisas: limitar os poderes do governo, fiscalizar os atos dos governantes e punir os corruptos, como condição inicial para conseguirmos que, ao gastarem nosso dinheiro, os governantes sejam um pouco menos ineficientes, corruptos e gastadores.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos