Neste julho de 2024, fiz uma palestra a estudantes que estão se preparando para o vestibular que ocorrerá nos próximos meses. Abertos os diálogos, procurei ouvir as opiniões, projetos e angústias dos jovens, a maioria na faixa dos 16 aos 21 anos. A conversa foi longe e certos pontos me deixaram consternado.
Para início de conversa, lancei a seguinte pergunta: quais são seus principais medos e o que mais os apavora? As respostas vieram denotando desencanto com o mundo, incerteza quanto à escolha da profissão, descrença no futuro e dúvida sobre a própria capacidade de se sair bem no mercado de trabalho.
Fiquei pensando se parte de tudo isso não resulta, entre outras, de duas atitudes com as quais esses jovens foram educados na infância e na adolescência. A primeira, a educação baseada em proibições e infusão do medo nas crianças; a segunda, a doutrinação pela repetição de que o mundo é perigoso e mau.
Não discuto se as duas afirmações são verdadeiras ou não. Em larga medida, elas são verdadeiras. Quando, na educação das crianças, pais e educadores adotam as duas atitudes citadas, ainda que tenham razões para tanto, eles contribuem com a criação de uma geração de jovens com neotenia.
A neotenia é a incorporação, pelo adulto, de características trazidas da infância e adolescência que sejam prejudiciais em sua ação no mundo adulto
Neotenia: que palavra é essa? Pela definição mais simples, neotenia é nome referente à retenção, nos homens e nos animais, de características típicas de sua forma jovem. Em grego, neo significa “jovem”, e teinein significa “estender”.
Em avaliação positiva, pode-se dizer que é bom o ser humano trazer características da infância e da adolescência para a idade adulta. Porém, junto das virtudes vêm os vícios. A neotenia é isto: a incorporação, pelo adulto, de características trazidas da infância e adolescência que sejam prejudiciais em sua ação no mundo adulto.
Na Psicologia, há um nome criado para designar pessoas com dificuldade para tomar decisões sem quantidade excessiva de conselhos; dificuldade para assumir responsabilidades sobre importantes áreas da vida; dificuldade em discordar dos outros por medo de reprovação; falta de autoconfiança; incapacidade para iniciar projetos; e dificuldade de lidar com frustração. Esse nome é Transtorno da Personalidade Dependente (TPD).
Indivíduos com TPD demonstram complexo de inferioridade e julgam que os outros são mais capazes de lidar com as responsabilidades e os desafios que a vida nos impõe. Muitas das pessoas com TPD seguem apegadas ao passado, mantêm as impressões da juventude e conservam crenças e ideias infantis.
O medo nas pessoas com TPD se alimenta da crença em um mundo cruel, injusto e perigoso, com o qual elas julgam ser incapazes de lidar por conta própria. Assim, a busca do apoio dos pais e a dependência deles de forma recorrente são traços da personalidade típica da pessoa com TPD, ou seja, vítima da neotenia.
Em face dos aspectos citados, o indivíduo com TPD tem dificuldade de assumir obrigações e responsabilidades profissionais, financeiras e jurídicas. Assim, com a superproteção dos pais e o controle sobre seus passos, o adulto segue sendo uma espécie de adolescente medroso e de pouca iniciativa, estado psicológico que pode atravessar a primeira idade adulta, adentrar a meia idade... e nunca terminar.
A superproteção paterna é por vezes vista como virtude, posto que ninguém sabe a linha divisória entre a proteção necessária e a proteção inibidora. Outra marca comum em jovens superprotegidos é a dificuldade de desenvolver o espírito de iniciativa e a disposição para correr riscos.
Em torno desses problemas, há um livro chamado O Sonho Europeu, do economista Jeremy Rifkin, no qual o autor analisa o enfraquecimento do sonho americano, como ideal que levou os Estados Unidos a serem uma nação rica e a mais poderosa do mundo.
O medo nas pessoas com Transtorno da Personalidade Dependente se alimenta da crença em um mundo cruel, injusto e perigoso, com o qual elas julgam ser incapazes de lidar por conta própria
Rifkin afirma que os jovens norte-americanos de classe média e alta foram cumulados com conforto, riqueza, mimos e proteção exagerada, até o ponto em que foram perdendo as bases do sonho americano: trabalho duro, disciplina, parcimônia no consumo, ética pessoal, respeito à ordem, obediência às instituições e sucesso por conta própria. Rifkin continua:
“Criamos uma geração que tem tudo, sem necessidade de conquistar nada, são jovens sem motivação. Nossos jovens, mal saídos da adolescência, já viram tudo, visitaram todos os lugares, ganharam tudo o que pediram, de forma que eles puderam concretizar seus sonhos antes mesmo de terem tido a chance de sonhá-los. E estão desmotivados.”
Essa questão da neotenia está ligada diretamente à existência de adultos imaturos, conforme explorado no livro A síndrome de Peter Pan, escrito por Dan Kiley em 1983. Essa síndrome é caracterizada pelo comportamento imaturo de adultos em aspectos psicológicos, sexuais ou sociais.
Embora não catalogada oficialmente como doença sob aspectos científicos, esse distúrbio, também descrito como “síndrome do homem que nunca cresce”, é uma espécie de enfermidade psicológica, também relacionada com a superproteção e o problema da neotenia. Eis aí um bom tema para reflexão.
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