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Em 22 de outubro de 2020, o jornal Valor Econômico publicou matéria com a seguinte manchete: “Maioria das empresas no país não dura 10 anos, e 1 de 5 fecha após um ano”. A manchete secundária dizia: “Segundo o IBGE, das nascidas em 2008, apenas 25,3% continuam em pé em 2018”. Ou seja, em dez anos, 74,7% das empresas abertas em 2008 desapareceram.
Os dados acima referem-se ao Brasil todo, e eu quero fazer um destaque sobre o estado do Paraná. Segundo estudo publicado pela prestigiada empresa de auditoria e consultoria KPMG, 53 empresas paranaenses foram vendidas para grupos de outros estados ou de fora do país somente nos três primeiros trimestres de 2019.
O dado sobre as empresas paranaenses vendidas não inclui as que faliram ou foram apenas extintas, e revela que o Paraná vive um processo de transferência da propriedade e do controle sobre suas empresas para empresários de fora do estado ou estrangeiros. Esse processo significa que, em grande parte, as empresas familiares locais que crescem acabam, mais cedo ou mais tarde, quebrando, fechando ou sendo vendidas.
O Paraná vive um processo de transferência da propriedade e do controle sobre suas empresas para empresários de fora do estado ou estrangeiros
A realidade tem a ver com a cultura brasileira quanto à propriedade, à gestão e à sucessão nas empresas familiares e nas famílias empresárias, e é motivo suficiente para que empreendedores, líderes, gestores e consultores estudem e entendam o que acontece, a fim de proporem soluções que se não evitem, pelo menos amenizem a ocorrência desse destino e suas consequências regionais, sobretudo para o quadro de empregados.
Há tempo, venho lendo e pesquisando o tema e, nos últimos dois anos, selecionei 21 livros relacionados à empresa familiar e à família empresária. A pergunta que me instigou foi: por que o Paraná não consegue formar uma classe de grandes empresários locais cuja obra dure além do tempo de vida deles próprios?
Sejamos francos e sem melindres: mesmo grandes e competentes empresários que têm sucesso na criação e desenvolvimento de uma empresa acabam fracassando fatalmente no tratamento da sucessão e da relação familiar. O assunto é longo; vou deixar neste pequeno texto apenas alguns pontos.
Ambiente familiar. As duas emoções principais que regem as relações entre os membros da família são proteção e solidariedade. A um filho envolvido em dificuldades pessoais ou profissionais, os pais devem prestar-lhe solidariedade para superar os dramas e proteção como apoio nas agruras. Porém, se esse mesmo filho ingressa na empresa e começa a ter funções nela, rapidamente os conflitos aparecem.
Ambiente patrimonial. Os sócios de qualquer negócio querem retorno e crescimento. E é assim que tem de ser, pois o lucro é o combustível para investir e fazer o negócio sobreviver. A necessidade de ajustar a propriedade e as ações gerenciais para a obtenção de lucro – e, portanto, crescimento – impõem que os donos do negócio tenham de fazer o que é necessário, não o que agrada aos membros da família.
Ambiente administrativo. Os dois imperativos principais na gestão empresarial são eficiência e profissionalismo. Qualquer que seja a relação dos sócios do negócio e seus familiares com os membros da direção, o foco deve se direcionar à competência profissional e à eficiência no desempenho das funções, e isso conflita com os sentimentos do âmbito familiar.
Mesmo grandes e competentes empresários que têm sucesso na criação e desenvolvimento de uma empresa acabam fracassando fatalmente no tratamento da sucessão e da relação familiar
O desafio dos sócios da empresa está na conciliação dos três ambientes, e aí começam os problemas, pois a essência desses ambientes é que eles são conflitantes. Diante de um filho com fraco desempenho, o pai falhará em qualquer decisão que tomar. Se protege o filho, falhará com a administração da empresa; se o demite, falhará com o dever de proteção e solidariedade.
A família empresária, em geral, apresenta dificuldade em entender que sua estrutura tem quatro territórios distintos: a propriedade, a família, a empresa e a gestão. Cada um desses territórios tem sua lógica interna própria, pois suas finalidades e funcionamento são diferentes, e a única forma de eliminar (ou reduzir) os conflitos é tendo planejamento com princípios e condução executiva profissional.
Neste exato momento, muitas são as empresas familiares vivendo seus dramas e que, mais adiante, irão cumprir o velho destino de quebrar, fechar ou ser vendidas
Afirmo que uma regra deve ser implantada antes de ser necessária, antes que os estragos apareçam. Muitas empresas familiares que crescem, fazem sucesso e depois são vendidas acabam tendo esse destino como remédio final para a não solução de conflitos e desavenças que corroeram as relações familiares e minaram a eficiência da empresa durante anos e anos.
O caso do Paraná, com o elevado número de empresas vendidas (quase nunca para grupos do próprio estado), é intrigante e merece atenção das famílias empresárias, pois, neste exato momento, muitas são as empresas familiares vivendo seus dramas e que, mais adiante, irão cumprir o velho destino de quebrar, fechar ou ser vendidas.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos