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José Pio Martins

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O lucro como elemento da ação humana

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A essência da obra de Karl Marx (1818-1883), sobretudo o livro O Capital,é o antagonismo que opõe duas classes: uma, os capitalistas, que para Marx representam uma classe exploradora; outra, a classe operária. Marx escreveu suas teses na metade do século 19, quando a Revolução Industrial estava em seus primórdios. A inauguração da primeira ferrovia se deu na Inglaterra, em 1814, operando com cargas; somente em 1825 foi incluído o primeiro trem de passageiros, no trecho de 51 quilômetros ligando Stockton a Darlington.

Para Marx, o capitalismo tem como núcleo central o capital e o trabalho, sendo o capital representado pela propriedade privada dos meios de produção (basicamente, a terra e as fábricas que, na época, começavam a se expandir), e o operário, aquele que vende seu bem mais valioso, o tempo, em troca de um salário/hora. O pequeno comerciante e os artesãos não eram fontes de preocupação no pensamento de Marx.

O ponto principal da teoria marxista é a tese de que todo produto nada mais é que a soma do trabalho aplicado em sua fabricação, e que também as máquinas são apenas trabalho acumulado nas fases anteriores de produção delas. Daí ele concluiu que, ao vender o produto por um preço superior aos salários incorridos na cadeia produtiva, o capitalista se apropria de mais-valia (ou mais-valor), ou seja, o lucro, e que isso é extorsão de parte do trabalho do operário. A partir daí, o lucro começou a ser demonizado.

Lucro é um elemento intrínseco de toda ação humana, inclusive da ação que não tenha motivação financeira

Há muitas nuances na análise marxista e o espaço de um artigo é pequeno para esgotar o assunto. Deixo aqui apenas algumas reflexões. Primeiro, é preciso entender o conceito econômico de lucro em suas diversas variantes. Começarei por um aspecto que é percebido pela maioria das pessoas e que recebeu pouca atenção de Marx.

Trata-se do seguinte: lucro é um elemento intrínseco de toda ação humana, inclusive da ação que não tenha motivação financeira. Esse aspecto pode ser explicado por dois argumentos. O primeiro é hoje muito falado: a agregação de valor, que se refere ao princípio de que toda ação humana somente é executada porque o agente busca um resultado de valor maior que a energia ou esforço empregado na realização da ação (note que não falei de preço, mas de valor no sentido de utilidade). Isso é central na vida de todos os animais, inclusive os irracionais. Um leão somente emprega esforço físico, enfrenta tempestades e desconforto, se esse sofrimento for inferior ao resultado: o alimento obtido.

Toda ação humana é assim. O agente homem enfrenta trabalho, cansaço, dispêndio de energia e dor para obter algo que julga valer mais que o custo pessoal envolvido. Dizendo de outra forma, a ação humana é o emprego de meios para atingir fins (o trabalho é apenas um dos meios). Outro aspecto é que, em teoria econômica, valor não é preço. Valor é o grau de utilidade de um produto ou do resultado de qualquer ação. Utilidade, por sua vez, é a capacidade que o produto ou resultado da ação tem de satisfazer uma necessidade, segundo o julgamento de quem usufrui do fruto da ação (que pode ser o próprio agente).

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O capitalista tem vários atributos iguais ao operário, pois ambos são seres humanos que necessitam de alimento, abrigo, repouso e satisfação pessoal. Apenas esse ponto de vista é suficiente para entender que um capitalista não entrará em qualquer atividade se o resultado não for maior que os custos incorridos, aí incluído o risco estampado no perigo de seu empreendimento não dar certo.

Falemos de valor agregado. Um escultor compra um pedaço de madeira por R$ 200 e faz uma escultura com o rosto de um político malandro. Ele vai à feira e o maior preço que encontra pela escultura é R$ 160. Se vender a esse preço, ele amargará prejuízo financeiro de R$ 40 e certamente desistirá de continuar destruindo um pedaço de madeira para construir a tal escultura.

Se todos agem para obter uma vantagem superior à energia, esforço ou custo (dê-se o nome que quiser) empregado na ação, por que o capitalista haveria de ser diferente?

O escultor desagregou um valor equivalente a R$ 40. Ao pagar pela obra um preço inferior ao custo da madeira, a sociedade está informando ao escultor que ela atribui maior utilidade ao pedaço de madeira do que à escultura em questão. O artista destruiu uma riqueza de R$ 200, que poderia usar em outro produto (uma mesa, por exemplo), e construiu uma riqueza nova de apenas R$ 160.

O escultor, que não é doido de querer ir à falência, compra outro pedaço de madeira pelo mesmo preço de R$ 200, faz uma escultura com o rosto da Gisele Bündchen e consegue vender por R$ 350 – logo, agrega um valor equivalente a R$ 150. Neste caso, a sociedade está dizendo que atribui um valor (utilidade) maior à escultura de Gisele do que ao pedaço de madeira.

O valor agregado equivale ao lucro da atividade do escultor e é a recompensa que a sociedade lhe concede pelo fato de ter construído uma riqueza superior à riqueza que ele destruiu, segundo critérios de valoração da própria sociedade. Esse é o processo do mercado. Com a empresa ocorre o mesmo: ela destrói riquezas e constrói riquezas. O lucro é a recompensa por satisfazer o consumidor e o prejuízo é a ordem do mercado para que ela interrompa a atividade.

Aqueles que condenam o lucro não entendem qual é sua função nem sabem o que colocar em seu lugar

Se todos agem para obter uma vantagem superior à energia, esforço ou custo (dê-se o nome que quiser) empregado na ação, por que o capitalista haveria de ser diferente? Se um capitalista resolve praticar alguma ação sem interesse, com vantagem inferior ao esforço (custo) despendido, ele pode fazer isso pontualmente, mas não na totalidade de atividade empresarial. Se agir assim, a empresa irá à falência, prejudicará um monte de gente e desaparecerá.

Aqueles que condenam o lucro não entendem qual é sua função nem sabem o que colocar em seu lugar, já que em todas as sociedades, sob qualquer regime político, a ação humana será sempre executada se a vantagem for maior que seu custo, com exceção de algumas ações individuais específicas feitas apenas em condições peculiares, como um pai que se joga num rio e morre afogado para salvar um filho. Obviamente, não é disso que estamos tratando.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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