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Sempre que ocorre algum fenômeno natural que resulta em tragédias de elevadas proporções – como foi o tsunami de 2011 no Japão e as recentes enchentes no Rio Grande do Sul –, os debates sobre as causas de fenômenos naturais se acirram e surgem opiniões diversas, das mais abalizadas às mais estapafúrdias.
O primeiro aspecto presente nas discussões refere-se a qual é a culpa da ação humana na ocorrência dos fenômenos e quais são os eventos naturais que ocorrem independentemente da ação humana. Não há resposta fácil para essa questão. Há muitas opiniões amadoras sem estudo e sem conhecimento.
O especialista em questões ambientais Hervé Kempf (1957-), com sólida formação acadêmica e vasta experiência no jornalismo francês, é autor do livro Como os ricos destroem o planeta, no qual ele faz análises interessantes e chega a conclusões polêmicas.
Se todos os consumidores do mundo consumissem a mesma quantidade que um norte-americano consome, os recursos naturais do planeta não seriam suficientes
Kempf lança críticas contundentes a dois agentes: os países ricos e as pessoas super-ricas. Segundo ele, ambos são responsáveis por grande parte dos prejuízos ao meio ambiente e pela destruição dos recursos naturais.
Quanto aos países ricos – Estados Unidos à frente –, o autor os acusa de terem adotado um estilo de vida e um padrão de consumo não universalizáveis, isto é, impossíveis de serem adotados por todos os habitantes da Terra. Se todos os consumidores do mundo consumissem a mesma quantidade que um norte-americano consome, os recursos naturais do planeta não seriam suficientes, já teriam se esgotado e ainda haveria o problema complicado do descarte do gigantesco volume de lixo gerado.
O caso do petróleo é sintomático. Com população equivalente a 4,5% do total de habitantes da Terra, os Estados Unidos consomem 25% de todo o petróleo produzido no mundo; portanto, um padrão dessa dimensão não é viável para o mundo todo. Outro exemplo: a China tem 30 automóveis para cada mil habitantes; o Brasil tem 140; e os Estados Unidos têm 800. Se a China, com seu 1,4 bilhão de habitantes, apenas igualasse o Brasil em número de carros para cada grupo de mil pessoas, nem todo o petróleo da Terra bastaria para abastecer apenas a frota chinesa.
Hervé Kempf faz críticas duras aos países ricos e a seu estilo de vida gastador, e ele também acusa as pessoas ricas de se entregarem ao consumo frenético, sem preocupação com as consequências ambientais e com os dramas sociais da parcela mais pobre do mundo.
Em seu livro, Kempf traz à lembrança o economista Thorstein Veblen (1857-1929), que, apesar de um tanto esquecido, produziu bons trabalhos e fez críticas ácidas aos hábitos da sociedade norte-americana e sua busca incessante por consumir mais e mais.
Como o mundo passou a copiar o jeito americano de ser e de consumir, o padrão de consumo predatório passou a ser imitado em várias partes do mundo, e Veblen se mostrava indignado, considerando que as necessidades humanas vitais são finitas, como é o caso do alimento, abrigo e repouso. Veblen acreditava que o desejo mórbido de consumir e exibir riqueza tem origem, entre outras fontes, na vontade humana de se diferenciar do outro, e isso induz ao consumo ostentatório e ao desperdício.
Hervé Kempf acusa as pessoas ricas de se entregarem ao consumo frenético, sem preocupação com as consequências ambientais e com os dramas sociais da parcela mais pobre do mundo
Voltando a Hervé Kempf, sua análise ia muito na linha das críticas de Veblen, especialmente ao que Kempf denominou de “o consumo ensandecido dos hiper-ricos”, aos quais ele chamava de “loucos tristes”. Sobre esse ponto, Kempf citava uma matéria de 1997, da revista Forbes, sobre a “guerra dos iates”: uma disputa entre executivos de grandes corporações para ver quem tinha o iate maior e mais opulento.
O padrão de consumo predatório também já foi observado no mundo dos smartphones. Um exemplo é o grande número de pessoas que, em três anos, já destruíram seis aparelhos iPhone. Os fabricantes surfam nessa onda consumista mudando esses brinquedos às vezes a cada seis meses, alterando poucas funções, algumas sem utilidade real.
Ao terminar a leitura do livro de Hervé Kempf, peguei outro livro: Abundância: O futuro é melhor do que você imagina, de Peter H. Diamandis e Steven Kotler, que traz visão oposta e é otimista em relação ao futuro. Mas, em se tratando de previsões, ninguém sabe quem estará com a razão quando o futuro chegar.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos