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No ano de 1905, o governo francês encomendou a dois psicólogos, Dr. Alfred Binet e Dr. Theodore Simon, que fizessem estudos para elaborar um método pelo qual o governo pudesse selecionar as melhores inteligências.
Após estudos acurados, surgiram os testes Binet-Simon, que ganharam o mundo e fizeram sucesso como método na seleção de pessoas. O método tornou-se conhecido como “Testes de QI” (quociente de inteligência).
Ainda na metade do século 20, os estudiosos concluíram que, para ser bem-sucedido na vida, seria necessário algo mais do que capacidade intelectual. E foi pela obra do Dr. Daniel Goleman (1946-), psicólogo e professor de Harvard, que passamos a conhecer a inteligência emocional e os estudos sobre a habilidade no relacionamento interpessoal.
O Dr. Goleman fala-nos de algo que podemos chamar de o “intervalo vital”, aquele tempo decorrido entre o que nos acontece e nossa reação. Esse intervalo vital pode se constituir de um segundo, um minuto, uma hora, um dia ou um ano.
Não importa quanto tempo decorra, o fato é que durante esse tempo construímos nossa reação aos eventos que nos afetam, traçamos nosso destino e sofremos as consequências de nossa forma de ser e de nossos atos.
O intervalo vital do Dr. Goleman me lembra o episódio do jogador francês Zidane na partida final da Copa do Mundo de Futebol de 2006. Zidane foi considerado o melhor jogador da competição e aquela era sua última partida como profissional. De repente, sob os olhos do mundo, ele deu uma cabeçada violenta no peito de um adversário, com a bola fora do jogo.
O craque cometeu um ato impensado ao reagir a uma provocação verbal, e lançou uma pá de cal no último ato de sua carreira. Ele foi expulso, desfalcou a equipe da França, passou cabisbaixo pela taça de campeão, que poderia ter sido de seu país se ele continuasse em campo, e desceu melancolicamente pelo túnel rumo ao vestiário.
Seguramente, todos já tivemos atitudes semelhantes à do grande craque, tanto nos assuntos corriqueiros como nos assuntos mais relevantes da vida. Talvez não percebamos o quanto essas reações, construídas no intervalo vital, afetam nossa vida familiar, social e profissional.
Muitos de nós já fracassamos por culpa de reações destemperadas e impensadas. Você já se pôs a avaliar quantas reações dessas já teve, das quais se arrepende e que, se houvesse esperado um pouco mais, certamente não as teria?
Em sua obra Elogio da Loucura, Erasmo de Rotterdam (1466-1536) afirma que o ser humano vive sob dois senhores: a razão e o sentimento. A tudo o que não seja cientificamente lógico e racional, ele chama de “loucura”, comportamento que está no campo do sentimento.
Diz ele que a loucura é a responsável pela própria vida e pelas realizações da humanidade, e o homem não conseguiria suportar a vida se agisse apenas com base na razão. Segundo os padrões da razão científica, as emoções e o sentimento são, por definição, ilógicos.
Portanto, não se trata de propor que nunca tenhamos reações com base no sentimento e na emoção. Não, isso não! Trata-se de buscar o equilíbrio entre razão e sentimento, e não permitir que, por não controlarmos nossos destemperos, tenhamos reações que, no fundo, acabam por nos prejudicar.
É por sermos imperfeitos e por termos o direito de nos guiar também pela loucura, isto é, pela emoção e pelo sentimento, que uma das mais nobres virtudes humanas é a virtude do perdão.
A via que nos permite o perdão é a via do sentimento. Essa virtude, devemos aprender a praticá-la, sobretudo porque precisamos que os outros a pratiquem em relação a nós, pois todos erramos e cometemos atos impensados que ferem e magoam.
O perdão tem efeito terapêutico. Quando não perdoamos, a mágoa e ódio ficam dentro de nós e nos fazem mal
Um provérbio popular diz que “o ódio é como o ácido que corrói o vaso que o contém”.
O perdão é uma virtude também na política. Na história do Brasil, há o caso de Juscelino Kubitschek (1902-1976) que, eleito presidente da República em 1955, foi vítima de uma revolta que tentou impedir sua posse. Após manifestações de rua e confusões, os revoltosos foram detidos e Juscelino tomou posse em janeiro de 1956.
Uma vez na presidência, o que fez Juscelino? Em ação pacificadora para unir o Brasil e governar em paz, ele anistiou todos os que queriam impedi-lo de assumir a presidência da República. E assim ele governou, fomentando a união, não a divisão.
Nos últimos tempos, em campanha, os políticos prometem governar para todos e acabar com a divisão entre “nós e eles”. Mas chegando ao poder, aprofundam a divisão da sociedade e seguem xingando seus adversários de fascistas, nazistas e genocidas, adjetivos que nem sabem o que significam.
As duas mais radicais características humanas são: a imperfeição e a absoluta diferença individual. Sendo assim, devemos respeitar a opinião dos outros e cultivar a virtude do perdão (sem sermos ingênuos, claro). Mas, para isso, é preciso grandeza moral, virtude rara nestes tempos de Brasil dividido.
Conteúdo editado por: Aline Menezes