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J.R. Guzzo

J.R. Guzzo

Construção

A era das narrativas e o empresariado que se deu bem com o petismo

falência da Odebrecht
Odebrecht (Foto: Nelson Almeida / AFP)

Há, como se diz hoje a respeito de quase tudo, uma nova “narrativa” na praça. Como é bem sabido, tornou-se praticamente impossível, no Brasil atual, o cidadão passar 24 horas seguidas sem ouvir na mídia algum tipo de “narrativa” – a “narrativa” de Sua Santidade o Papa, da moça que apanhou do marido ator de novela, do bandeirinha de futebol e daí por diante, até o último dos 7 bilhões de habitantes do planeta.

A “narrativa” que se pode pegar no momento por aí, e que já começa circular no ambiente político-empresarial-jornalístico-jurídico-garantista e mais tudo o que em geral entra nessa sopa, é o que daria para se chamar de: “Fábula do empresário nacional mal tratado pela justiça do seu próprio país, em vez de apoiado por todos nesta sua hora de desventuras, como aconteceria nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, onde os governos pensam em salvar empresas e empregos”.

É o que as classes instruídas, e melhor equipadas para pensar do que você, começam a ouvir – e, mais que isso, a dizer em palestras, entrevistas à imprensa, mesas redondas e por aí afora.

Os empresários apresentados ao público como vítimas de maus tratos da justiça, ou coisa parecida, boa parte deles hoje afastados do comando efetivo das suas empresas, são em geral de um biotipo muito conhecido no Brasil dos últimos anos: donos e altos executivos de empresas que praticaram atos bilionários de corrupção nas suas relações com os governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, e hoje não andam mais no lado da rua onde bate o sol. Foram pegos em flagrante. Confessaram, com papel passado e assinado, os crimes que cometeram. Delataram-se uns aos outros, sem constrangimento, diante da autoridade judiciária. Pagaram multas-gigante, tiveram de devolver dinheiro roubado e fizeram “acordos de leniência” com órgãos do Estado, para pagar penas financeiras mais em conta – acordos que são, de novo, confissões perfeitas da prática de delitos previstos no Código Penal brasileiro.

A “narrativa” que começam a vender, agora, é que o mal que fizeram, junto com os participantes dos governos de Lula e de Dilma, não foi, no fundo, tão grande assim. Na verdade, talvez nem tenham tido tanta culpa pelo que fizeram – afinal, precisavam fazer suas empresas trabalhar (e gerar empregos, claro, gerar empregos acima de tudo) e os governos deste pais, como todo mundo sabe, não deixam ninguém funcionar sem o pagamento de propinas. Não se pode esquecer que muitos pagaram, com todos os juros, tudo o que tomaram emprestado do BNDES, Banco do Brasil e outros guichês onde magnatas amigos de quem manda encontram “dinheiro barato” – não fizeram nada de útil para o país com as cordilheiras de dinheiro que receberam, mas isso são outros 500, não é mesmo? Foram enganados em seus negócios com Angola, Cuba, Moçambique, Guiné e outras potências desse porte; como iriam imaginar que uma coisa dessas pudesse acontecer? E por aí vamos.

Não faltam ajudantes para tocar essa “narrativa” segundo a qual ladrões confessos de dinheiro público vão tentando, discretamente, livrar-se do seu registro como bandidos e ir vestindo a fantasia de empresários mais ou menos normais, “simples homens de negócios úteis para a economia brasileira”, ou mesmo vítimas das circunstâncias. Aqui e ali o presidente do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, dá a sua mão. Aqui, ele diz que não pode haver progresso se houver muito rigor nas exigências de ordem. Ali, diz que um “lado ruim” da Operação Lava Jato foi quebrar empresas; imagina-se, então, que seus crimes de corrupção não deveriam ter sido punidos, para que elas continuassem colaborando com o avanço econômico do país. É aplaudido por banqueiros e tratado com deferência na mídia.

A Odebrecht, no momento, parece ser quem está avançando mais na construção da nova “narrativa” – justo ela, a Odebrecht, dada como a campeã mundial da corrupção em todos os tempos. Seu ex-presidente, Marcelo Odebrecht, voltou a aparecer na mídia e a empresa voltou a ser comentada. Só que você não vai ouvir falar na palavra “corrupção” em nada disso. A “narrativa” vai tentar lhe mostrar que o problema da empresa e do reinado de Odebrecht, no fundo, foram dissenções internas, operações de altíssima complexidade no exterior e mais uma porção de milagres. Quem sabe acaba pegando?

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