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O Brasil vive nestes dias um fenômeno sem precedentes: a suprema corte de justiça do país transformou-se numa junta de governo, que traz à memória as “comissões revolucionárias” que os militares formavam, nos velhos tempos em que havia golpes militares da América Latina. No passado, os golpistas anulavam a Constituição e o resto da legislação em vigor no país; eliminava-se os direitos individuais, a liberdade de expressão e a ação dos partidos políticos. Hoje o Supremo Tribunal Federal faz a mesma coisa, com a justificativa de que está agindo para defender as “instituições democráticas”. É mais ou menos assim: para salvar a democracia é preciso, em primeiro lugar, destruir a democracia. As leis, decidiu o STF, não podem atrapalhar a visão que seus ministros têm do que é melhor para o Brasil, para a sociedade brasileira e para o bem de todos. Se estiverem, pior para as leis – sobretudo quando elas se aplicam a pessoas ou entidades sem força, prestígio ou influência para se defender.
A agressão mais recente ao sistema legal do país é o surto repressivo do ministro Alexandre de Moraes contra um partido político mínimo, que não tem nenhum deputado federal, nem estadual, e de cuja existência muito pouca gente tem notícia – o Partido da Causa Operária. Há dias, Moraes vem baixando sentenças iradas para impedir esse PCO de exercer as suas atividades políticas; simplesmente proibiu, com mais um despacho, que os militantes do partido se manifestem em qualquer plataforma das redes sociais. É cassação explícita do direito de expressão assegurado como “cláusula pétrea”, ou “imexível”, da Constituição. O PCO não cometeu nenhum crime, nem está organizando grupos armados, ou mesmo desarmados, para subverter a ordem constitucional ou fazer qualquer coisa parecida com isso. Tudo que o seu presidente disse é que Moraes é um “skinhead de toga”. Desde quando chamar um ministro de “careca” pode ser uma ameaça “às instituições”? Não pode, é óbvio - mas foi suficiente para o infeliz ser enfiado no inquérito perpétuo, secreto e ilegal que o ministro conduz há três anos para reprimir “fake news” e “atos antidemocráticos”. Não há direito de defesa nesse inquérito. Os indiciados não são informados dos crimes que teriam cometido. Todos são culpados; nunca houve, até hoje, um caso de absolvição.
As leis, decidiu o STF, não podem atrapalhar a visão que seus ministros têm do que é melhor para o Brasil, para a sociedade brasileira e para o bem de todos
Chamar Alexandre de Moraes de “careca” pode ser tudo, menos notícia falsa. A vítima do ministro poderia dizer isso, se tivesse direito de se defender – mas não tem. Também não tem como contestar que fez “postagens antidemocráticas”. Que diabo é isso – “postagem antidemocrática? Entra na cabeça de alguém que chamar um ministro do STF de “careca” coloca a democracia brasileira em perigo? Tudo bem: a palavra “skinhead” é aplicada para simpatizantes nazifascistas. Mas e daí? É a opinião do presidente do PCO; pode ser contestada na justiça, segundo o que diz o Código Penal, como calúnia, injúria ou difamação. Não tem absolutamente nada a ver com segurança nacional, nem vai abalar instituição nenhuma. Alega-se também que o denunciado pediu a “dissolução” do STF. De novo: e daí? Em que lei está escrito que é proibido defender o desmanche do Supremo e propor a sua substituição por um outro tipo de tribunal? Toda a alta cúpula do PT fez exatamente isso quando Lula foi para cadeia; hoje, STF e PT são os melhores amigos do mundo, mas o que foi dito não pode mais ser apagado. Nenhuma surpresa aí, é claro. Esse tipo de junta é isso mesmo; não tem de dar explicação, nem fazer nexo. Só tem de baixar decretos, enfiar gente na cadeia, dar ordens e proibir.
Todo mundo sabe que o STF, hoje, é o maior produtor de arbitrariedades neste país – age contra os direitos do cidadão, os dois outros poderes e o que está escrito na Constituição. O mundo político, que tem um Congresso eleito e com poderes formais para impedir o que está acontecendo, fica quieto; recebe ordens e diz “sim senhor, mais alguma coisa?” O STF vai em frente, é óbvio.