O que está acontecendo com a Alemanha? Ninguém no Brasil, e numa porção de outros lugares, costuma se preocupar com a Alemanha. Por que, na verdade, alguém deveria se preocupar? A Alemanha é um dos países mais ordeiros do mundo. Os serviços públicos são de primeira categoria, levando-se em conta que estamos aqui diante de um país de verdade, com mais de 80 milhões de habitantes.
Sua indústria, apesar dos invencíveis avanços da tecnologia de vanguarda dos Estados Unidos e da concorrência maciça da China, continua sendo um espetáculo de classe mundial, com marcas-campeãs e uma reputação de qualidade que permanecem intactas há 100 anos, ou mais. A criminalidade está entre as mais baixas da Europa, a infraestrutura é uma das melhores do mundo e a eficiência da máquina de produção tem poucos rivais. As suas universidades são um modelo e o povo é altamente educado. Ainda assim, a Alemanha tornou-se hoje um dos lugares mentalmente mais tumultuados do mundo na discussão das suas opções políticas, econômicas e sociais para o futuro.
O centro da questão, mais do que tudo, está na hostilidade inédita, crescente e, para resumir as coisas, cada vez mais incompreensível, contra a liberdade econômica, contra a atividade produtiva em geral e, no fim das contas, contra o capitalismo. É como se a maior parte do mundo político, o aparelho do Estado e as “classes intelectuais” da Alemanha estivessem achando mais ou menos o seguinte: o país que nós temos, esse mesmo que foi descrito no primeiro parágrafo deste artigo, é um fracasso e tem de ser radicalmente mudado. Soa estranho. A Alemanha, vista da posição ocupada hoje pela maioria dos países, é exatamente o contrário – é um sucesso. Mas não. O esforço do governo, dos partidos de esquerda e de boa parte da sociedade é tentar construir uma Alemanha oposta à que teve o êxito espetacular dos últimos 60 anos.
Parece absurdo que lideranças-chave da sociedade alemã, a começar pelo condomínio que manda do governo e que controla cada vez mais a mídia no país, estejam envolvidos numa ofensiva contra o capitalismo – numa nação que é, justamente, a terceira maior economia capitalista do planeta, atrás apenas de Estados Unidos e Japão (a China joga em outra liga). Parece mesmo, mas é o que está acontecendo na prática. Em nenhum ponto o atual governo e sua base de apoio político-social agem de maneira tão agressiva quanto nas decisões sobre o meio ambiente. É, ao que parece, sua principal arma de combate à Alemanha como a conhecemos.
Ninguém criticou com tanto vigor a recente – e fracassada – “conferência do clima” de Madrid do que os peixes graúdos na política alemã. Acharam, todos eles, que a “conferência” deveria ter feito muito mais do que fez. “Os Estados Unidos têm de agir mais rápido”, disse o ministro do Desenvolvimento da Alemanha, Gerd Müller, que exige mais dinheiro americano num fundo de “100 bilhões de dólares” para salvar a natureza. “É uma vergonha”, afirmou a líder do partido A Esquerda, Katja Kipping. “Foi uma oportunidade perdida”, reforçou a líder do Partido Verde, Lisa Badum.
O resumo mais preciso do que está hoje na cabeça dessa gente toda foi dado por uma outra líder política de peso na esquerda alemã, Amira Mohamed Ali. “É assustador que os ricos e poderosos continuem lucrando sem serem perturbados por um sistema econômico prejudicial ao clima”, disse ela. “Acham que o lucro importa mais que um planeta intacto”.
É isso, em suma. Para salvar a Terra da destruição, é preciso bater no lucro – e, necessariamente, na liberdade econômica, no direito de empreender, na iniciativa privada, na propriedade e no sistema capitalista em geral. Em busca dessa meta, já foi anunciado um aumento de 75 centavos de euro, ou cerca de R$ 3,30, para o litro do diesel em 2020. Para piorar, o uso do diesel, que ainda assim é mais barato que a gasolina, vai ser proibido em diversas categorias de veículos.
O imposto predial pode subir até 150% em áreas que o governo quer ver livres da presença humana. Há planos para proibir, simplesmente, os voos domésticos de avião em todo o território da Alemanha. A maioria das ideias do governo para 2020 vai no mesmo rumo. Dar certo, às vezes, é tão ruim para os países quanto dar errado.
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