Um dos quadros mais agressivos atualmente em exibição no museu de horrores que o STF e o ministro Alexandre de Moraes abriram na justiça penal brasileira é a prisão do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Marques. Durante quase um ano inteiro, o ministro vem mantendo Silvinei na cadeia, sem ter, durante este tempo todo, encontrado uma única prova da acusação feita a ele.
É óbvio, em qualquer sistema de justiça com um mínimo de decência, que ele não poderia continuar preso -se o ministro não consegue provar a acusação que faz, o problema é do ministro, e não do acusado. O horror, no caso, não é apenas a ilegalidade da prisão, mas a solução que o STF criou para lidar com os fracassos das suas acusações.
Silvinei, como acaba de decidir Moraes, não pode mais continuar na prisão, pela absoluta falta de razões legais para estar preso – mas também não pode ser solto. A partir de agora vai ficar preso em casa, algemado pela tornozeleira eletrônica, e continua à disposição dos seus carcereiros. Não pode usar as redes sociais. Não tem passaporte. Tem de se apresentar periodicamente à autoridade. Não pode ir à padaria da esquina. É a prisão perpétua virtual, última contribuição do STF à ciência mundial do Direito.
O sujeito não é condenado, porque não existe prova nenhuma contra ele, mas também não é livre - e não há a menor ideia de quanto tempo ele vai ficar assim. Prisão sem prazo, para efeitos práticos, é prisão perpétua.
É a prisão perpétua virtual, última contribuição do STF à ciência mundial do Direito
Silvinei Marques é um novo tipo de cidadão brasileiro – o “interno” do campo de concentração sem grades que o STF criou para castigar perseguidos políticos. Nos gulags da antiga União Soviética o tratamento era pior, mas o preso tinha, pelo menos, uma data marcada para sair – em geral 15 anos. Aqui pode ficar em casa, mas não sabe quando, ou se, vai ser livre de novo.
O episódio do ex-diretor da Polícia Rodoviária é agravado por uma circunstância extraordinária: ele é acusado de interferir nas eleições de 2022 bloqueando ônibus com eleitores lulistas no Nordeste, mas o próprio Alexandre de Moraes, na ocasião, decretou que não houve interferência nenhuma na normalidade do processo eleitoral. Interessava a ele, então, dizer que tudo tinha corrido bem com a eleição, e principalmente com o seu resultado. Depois, quando tudo já estava resolvido, o ministro mandou prender Silvinei – por ter feito algo que ele próprio garantiu que não tinha acontecido.
O STF mantém num cárcere da Polícia Federal de Curitiba, há cinco meses, um ex-assessor de Jair Bolsonaro, sob a acusação de ter viajado com ele para os Estados Unidos, no dia 30 de dezembro de 2022 – supostamente para organizar um “golpe de Estado”. O ministro Moraes e a PF jamais provaram essa viagem. Ao contrário: o ex-assessor já provou, com passagem aérea, recibos do Uber, localização do seu celular por satélite e dados do sistema americano de imigração que não viajou para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro. E daí? Todas as petições que fez foram recusadas, ou ignoradas, pelo ministro, e ele continua na cadeia – sem o menor respeito a qualquer prazo previsto em lei. Se for solto, como Silvinei, deverá ficar preso em casa, também sem data para ser libertado.
O ruim, para todos eles, é que tudo isso é aceito pela “sociedade civil” como a coisa mais normal no mundo; na verdade, os baluartes dos direitos humanos no Brasil aplaudem tudo o que Alexandre de Moraes faz. Ele mesmo, Moraes, se orgulha de comandar “a maior vara penal do mundo”, com 2000 processos. É a defesa da democracia no Brasil de hoje.
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