Prepare-se para recarregar a pilha da sua paciência, pois essas eleições americanas ainda parecem longe de dar sossego para o público em geral. Já é meio esquisito em circunstâncias normais, pois a apuração dos votos não tem propriamente uma hora ou dia de encerramento. Não existe o anúncio oficial sobre o que mais interessa – quem ganhou? – como no Oscar ou nas eleições no Brasil. Isso fica para mais tarde, possivelmente no dia 14 de dezembro, quando o colégio eleitoral de 538 membros que formalmente escolhe os presidentes dos Estados Unidos se reúne para bater o martelo.
Normalmente isso não causa nenhum ruído, pois o colégio apenas valida a vitória de quem teve mais “votos eleitorais” – os votos em bloco de cada um dos 50 estados, cujo número varia segundo o tamanho do eleitorado local, num processo em que o candidato vencedor num estado leva todos os votos atribuídos a ele. Só que dessa vez não ficou certo, até agora, quais foram os números finais da votação. Seis dias depois das eleições, acredite se quiser, a apuração ainda não acabou.
O problema central é que o presidente Donald Trump, derrotado por seu opositor Joseph Biden nas contas feitas até agora, está dizendo que a eleição foi roubada – como acontecia antigamente em países como Guatemala, Bongobongo do Norte e outros lugares assim. Nos Estados Unidos, quem conta os votos é a máquina de apuração de cada estado, cada um com as suas regras, leis e prazos. Em geral vale o que está escrito, como no jogo do bicho, mas dessa vez complicou, pelas acusações de fraude.
Como dizia o dr. Einstein, não adianta você se preocupar com o futuro, pois ele virá de qualquer jeito – com ou sem a sua autorização. No caso, esse futuro tem uma data certa: 20 de janeiro de 2021. Nesse dia, aconteça o que tiver acontecido, alguém terá de entrar na Casa Branca com um papel dizendo que ele é o presidente da República. Em 244 anos de história americana, nunca deixou de haver alguém para ocupar o cargo; não é agora que vai acontecer. Até lá a única solução é a que foi sugerida no início: ter paciência.
Essas ocasiões são uma maravilha para o surgimento e procriação das falsas questões. Uma das mais cômicas das que estão hoje na praça é o fato de que o presidente Jair Bolsonaro ainda não cumprimentou Joseph Biden pela vitória. “Como é possível uma coisa dessas”, pergunta-se com excitação indignada na mídia, nas redes sociais e nos meios político-intelectuais. Bolsonaro, pelo que se pode supor, está esperando que o próprio Trump cumprimente Biden primeiro – se nem ele, que é o presidente dos Estados Unidos, reconheceu o resultado, quem é o coitado do Brasil para dar palpite?
Além do mais, cerca de 100 outros chefes de Estado, incluindo os de dois países que parecem razoavelmente importantes, China e Rússia, estão esperando a poeira baixar – além do México, que é vizinho, interessado diretíssimo no resultado e governado por um presidente do campo popular-progressista-operário etc.
Além disso, naturalmente, há a desimportância prática sem limites do cumprimento de Bolsonaro e do “reconhecimento oficial”, por parte do Brasil, de quem é o novo presidente. E quem é que está ligando, nos Estados Unidos e no resto do mundo, se Bolsonaro cumprimenta Chico ou se cumprimenta Francisco? A noção de que o Brasil possa não reconhecer o novo governo americano, então, nem chega a ser uma noção – é apenas um absurdo, como o sujeito ferver o ângulo reto a 90 graus ou um homem fazer os 100 metros rasos em 5 segundos.
O medo, segundo se diz, é que Biden fique bravo com o Brasil e passe a perseguir a gente depois de assumir a presidência. É curioso: a salada da esquerda e da “oposição” não gosta que o Brasil tenha boas relações com os Estados Unidos; agora está dizendo que também não vai gostar se as relações forem ruins. Elas não serão uma coisa nem outra. Países não tem amigos, embora possam ter inimigos; apenas têm interesses. O Brasil não é inimigo de ninguém, nem tem cacife para se meter nesse tipo de jogo. Sobram os interesses – e esses vão seguir o rumo natural das coisas.
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