A Gazeta do Povo resumiu de forma admirável, num editorial recente, uma das piores ameaças que a democracia brasileira já sofreu em toda a sua existência – a ofensiva geral contra a liberdade de expressão, ora à venda justamente pelos que se apresentam como os grandes sacerdotes do “Estado de Direito” no país. “Se realizarmos a regulamentação das mídias sociais neste ambiente atual de completa confusão conceitual sobre a liberdade de expressão e sua importância como pilar da democracia, o desastre é certo”. É exatamente isso. Estamos a caminho de uma amputação maciça em nosso sistema de liberdades públicas e individuais – e a perspectiva da desgraça vai se tornando uma certeza cada vez próxima e concreta.
É o que vai acontecer, caso o debate em torno da questão continue sendo envenenado pela recusa, por parte de quem propõe os “controles”, de entender um fato básico: não pode existir democracia a partir do momento em que um órgão do Estado, qualquer que seja ele, ganhe o poder de dizer o que é “verdade” e o que é “mentira” – e de proibir a publicação do que acha “errado”, “falso” ou “nocivo para a sociedade”. O problema não é que os defensores do “controle social da mídia” estejam equivocados quanto à liberdade de expressão. Não é, nem mesmo, que sejam contra a liberdade de expressão. É que eles não sabem o que é liberdade de expressão.
Jamais, em toda a história humana, houve qualquer tentativa de regular os meios de comunicação que não acabasse resultando em redução da liberdade.
É materialmente impossível chegar a qualquer conclusão correta sobre o cálculo da área do triângulo, por exemplo, se você não sabe o que é um triângulo. É exatamente o que está acontecendo com as propostas de “regulamentação” das redes sociais e dos meios de comunicação. Os que propõem a criação de polícias para vigiar o que os cidadãos dizem em público não sabem que liberdade de expressão é a possibilidade de se contar com a proteção do Estado para que a pessoa diga tudo o que quer dizer – e não apenas aquilo que o Estado lhe permite dizer. Essa liberdade não é para dizer apenas as coisas ”certas”, “boas”, “justas”, “verdadeiras”, “virtuosas” e por aí afora. É dizer outras, ou o contrário dessas, ou o que for. É o vale tudo, então? Não é, de forma nenhuma. A lei brasileira, no Código Penal, prevê os crimes de calúnia, injúria e difamação; se o sujeito usa a sua liberdade para cometer qualquer deles, vai pagar na Justiça pelo que fez. Ou, então, responderá civilmente pelos danos materiais que causou. É isso. O resto é conversa de ditadura.
A esquerda nacional em peso, o governo Lula, o STF e uma porção do Sistema Judiciário partem do princípio, inventado há pouco por eles mesmos, de que a liberdade de expressão só pode se aplicar aos que dizem “a verdade” – e entregam a si mesmos, naturalmente, a função de decidir o que é verdadeiro e o que é falso. É uma ideia destrutiva. Jamais, em toda a história humana, houve qualquer tentativa de regular os meios de comunicação que não acabasse resultando em redução da liberdade – e, principalmente, em censura pura, simples e grosseira.
O fato concreto é que ninguém, entre os defensores do “controle social” da mídia no Brasil, está interessado em oferecer ao público um noticiário sanitizado, honesto, lindinho, sem mentiras, falsidades ou estupidez – o que querem é proibir a publicação de notícias, comentários ou opiniões que os desagradem ou prejudiquem. É feito para esconder a verdade, e não para salvar “a sociedade” das notícias falsas.
O resumo dessa ópera, na verdade, é bem simples. Todas as ditaduras do mundo, da Venezuela a Cuba, da China até a Coréia do Norte, têm sistemas de repressão às “fake news” e ao “discurso do ódio” – sem nenhuma exceção. Nenhuma democracia do mundo tem qualquer coisa parecida – também sem nenhuma exceção. Quem está certo, e quem está errado?
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