Como no “Dia da Marmota”, fábula que o mundo inteiro conheceu através do filme O Feitiço do Tempo, o tempo não passa nunca no Brasil de hoje. O relógio anda e o calendário avança, mas o que acontece hoje é a cópia exata do que aconteceu ontem, e do que vai acontecer amanhã. No Brasil de 2024 todo o dia é “Dia da Marmota”, quando se leva em conta as relações existentes entre o dinheiro do pagador de impostos e o alto, ou altíssimo, funcionalismo público. O sujeito pega o jornal de hoje e vê lá exatamente a mesma notícia que viu ontem, ou anteontem, ou durante a Guerra do Paraguai.
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Não muda nunca: procuradores, juízes, desembargadores e mais cardumes inteiros de auditores, ouvidores, assessores e todos os gatos gordos que a burocracia inventa sem parar, estão ganhando fortunas alucinadas. Anuncia-se que o juiz fulano de tal, em tal estado, recebeu no seu último contracheque 200 mil, 300 mil ou 400 mil reais de salário mensal; pode ser também um desembargador, um procurador ou um etc.
Isso não é ganhar bem – é concentração de renda em seus níveis mais agressivos e subdesenvolvidos.
Recentemente foi noticiado que uma juíza do Pará enfiou no bolso 600 mil reais de salário mensal; amanhã a imprensa vai noticiar um caso igual, ou pior. É sempre a mesma coisa. A importância paga de fato foi um absurdo, mas o pagamento foi perfeitamente legal. O juiz, ou desembargador, ou procurador ou etc. “tinha direito” ao que levou: além do salário, teve de receber férias atrasadas, licenças-prêmio, auxílio isso, auxílio aquilo, adicional por trabalhar nos dias de chuva e por aí afora. O céu é o limite – e às vezes nem o céu. Como poderia ser diferente? É o próprio Judiciário, na prática, quem define quanto os magistrados devem ganhar. E é esse mesmíssimo Judiciário, quando aparece alguma objeção, que julga as ações movidas pelos sindicatos da “categoria”. Quem você acha que ganha sempre?
Os beneficiados dizem, vagamente, que se trata de “exceções”. Mas não se trata de exceção. O último “Dia da Marmota” no Brasil teve como estrelas os procuradores estaduais. Uma reportagem do jornalista Tácio Lorran, publicada dias atrás em O Estado de S. Paulo, mostra que metade deles ganha acima do teto constitucional do funcionalismo público. Esse teto não é nenhuma mixaria: está em R$ 41,6 mil por mês. E se metade dos procuradores está ganhando acima disso, não é mais exceção – é praticamente a regra.
Na verdade, quem se contenta com R$ 50 mil mensais, por exemplo, até que está sendo camarada com o pagador de impostos. Tem procurador levando 200 mil por mês, e isso é sem contar as “bonificações natalinas”. Para ficar por aqui: em Santa Catarina, o pior de todos os estados brasileiros nesse campeonato, o salário médio dos procuradores estaduais chegou aos R$ 106 mil em outubro último. Santa Catarina tem 509 procuradores; neste mês, 499 ganharam acima do teto. Exceção?
Ninguém jamais contestou a ideia de que os servidores da Justiça devam ganhar o máximo que a sociedade possa pagar. Mas isso não é ganhar bem – é concentração de renda em seus níveis mais agressivos e subdesenvolvidos. O pior é que está dando errado. O Brasil tem o Poder Judiciário mais caro do mundo. Tem também um dos piores.
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