Uma desgraça, conforme nos ensina a sabedoria popular, raramente vem sozinha. No caso do coronavírus, mais uma vez não veio. Junto com a Covid-19 temos direito, no Brasil, a demonstrações quase diárias de agressão às liberdades públicas – praticadas por 27 governadores, 5.500 prefeitos e dezenas de milhares de fiscais, com a cumplicidade geral do Poder Judiciário.
Teremos corrupção maciça do Oiapoque ao Chuí, com a suspensão da exigência de se fazer concorrência pública em contratos dos governos – a epidemia só existe até agora em 1.000 municípios, mas cerca de 2.000 já decretaram “estado de calamidade pública”, o que lhes permitirá fazer tudo o que você imagina. Temos a transformação de uma doença, e do seu possível tratamento, em questão abertamente política: até na química se formou uma divisão entre “direita”, que é pró cloroquina, e “esquerda”, que é contra.
Um dos piores aspectos dessa onda de desgraças suplementares – é difícil dizer qual é realmente o pior – é a agonia em que vive hoje no Brasil a virtude da tolerância. Não se admite, de jeito nenhum, que haja pessoas com pensamentos diferentes dos seus em relação ao problema; não se aceita que outras pessoas tenham ideias que você não goste.
A coisa ocorre nos dois grandes “lados” que se formaram, em termos gerais, quanto ao combate da epidemia – os que defendem o máximo rigor no isolamento das pessoas (“não saia da casa”), e os que defendem um abrandamento nas regras de controle do contágio e uma retomada mais rápida da produção e do trabalho. Os primeiros são, para não ficar encompridando conversa, contra o governo federal. Os segundos são a favor – ou simplesmente não aceitam a paralisia do país e de suas vidas.
A turma do “confinamento social”, até o momento, está levando vantagem clara, na maior parte do mundo político, das elites “pensantes” e da mídia, nessa competição para mostrar quem é mais intolerante. É proibido, aí, achar que há alguma alternativa para o isolamento radical – ou é isso ou é a calamidade.
Não é permitido questionar os números de casos e de mortes divulgados diariamente; não a sua exatidão aritmética, mas a recusa dos divulgadores em fazer relações e comparações com outros números e outros aspectos da realidade. Não se admite a cogitação de que haja qualquer medicamento capaz de ajudar no combate à doença; enquanto não houver uma vacina, a única medida possível é a quarentena sem prazo de duração.
O cidadão que imagina ter o direito de não concordar com qualquer dessas coisas é acusado, logo de cara, de ser “a favor da morte”. É um crápula que prefere o “lucro” à “vida”; acha que “a economia” é mais importante que “o ser humano”. Isso só para começar. Para continuar, pode ser acusado de “genocídio”. Com certeza vai ser excomungado como “bolsonarista” e “vendido ao governo” – além de fascista, inimigo do estado de direito e a favor da “volta dos militares”.
Tem pé ou cabeça uma coisa dessas? Não tem nem uma e nem outra, claro. Mas é assim que ficou. Da próxima vez que o Imperial College de Londres disser que o Brasil “pode” chegar a mais de 600.000 mortos, ou que a ex-presidente Dilma Rousseff prever “até 1 milhão de mortes”, é melhor ficar quieto. Quem achar que talvez não seja bem assim vai ser denunciado, na hora, como inimigo do povo brasileiro.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS