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Um dos princípios mais elementares do direito e da justiça nas sociedades civilizadas, e mesmo nas que nem são tão civilizadas assim, diz que nenhum juiz pode julgar em causa própria. Os sindicatos de magistrados do Brasil detestam ouvir coisas como essa. Sua reação automática, em vez de discutir a questão, é atacar quem acha errado um juiz decidir casos que de alguma forma envolvam seus interesses – acusam os críticos de “não entender nada de direito”, ou de “atentar” contra a ordem jurídica do país. É um despropósito. O fato de alguém não ser formado em direito não significa que ele está incapacitado de exercer o raciocínio lógico. Não quer dizer, também, que suas opiniões sobre o sistema judicial sejam um ato “antidemocrático”. Mas no Brasil de hoje, os que mandam no aparelho do Estado se esforçam cada vez mais para proibir as pessoas de pensar. Não aceitam, no caso, que uma regra aplicada sem qualquer discussão em todas as democracias do mundo possa valer para a justiça brasileira.
O Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, é quem está no centro e no topo do problema. Acaba de decidir, por 6 votos contra 4, que todos os juízes brasileiros, incluindo eles próprios, estão liberados para julgar causas em que escritórios de advocacia de parentes ou cônjuges (e também de “parceiros”) defendam as partes envolvidas no processo. É até pior que isso. A proibição para os magistrados decidirem casos nos quais possam ter interesses é resultado de lei aprovada no Congresso Nacional, e faz parte do Código de Processo Civil – só pode ser abolida por uma outra lei desse Congresso. Nenhum cidadão deste país jamais apresentou qualquer queixa a respeito, é óbvio. Os únicos que ficaram contra foram os próprios juízes. Um dos seus sindicatos entrou com uma ação no STF para ganharem o direito de julgar causas defendidas por advogados das suas famílias – e o Supremo atendeu a exigência.
O fato de alguém não ser formado em direito não significa que ele está incapacitado de exercer o raciocínio lógico
Há argumentação para qualquer tipo de coisa, como é bem sabido no Brasil destes últimos anos, e aí também houve. A justificativa geral para a decisão foi atender o princípio da “razoabilidade”, que estaria sendo ofendido pela disposição do CPC. Mas não é absolutamente razoável, para qualquer cidadão que tenha capacidade mínima de raciocinar, que os juízes sejam proibidos de julgar causas que envolvam seus parentes? Onde poderia estar o problema? O STF também acha que é impossível cumprir essa lei. Impossível por quê? Segundo os ministros, os juízes não conseguem saber quem são os clientes dos seus familiares que exercem a advocacia. E porque não perguntam – ou utilizam as ferramentas digitais que têm à sua disposição para obter esse tipo de informações? Qual o problema para a sociedade, enfim, que a causa de um parente seja transferida para outro magistrado? Há cerca de 20.000 juízes no Brasil; não é por falta de juiz que não se pode aplicar o dispositivo do CPC. Não há explicação, também, para uma questão simples. O Código, aprovado originalmente em 1940, tem 1.052 artigos; porque só esse, justamente esse, é impossível de ser aplicado?
Resta o fato de que os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Antônio Toffoli e Cristiano Zanin são casados com advogadas. Os ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso têm filhos que exercem a advocacia. São sete em onze – e, por sua própria decisão, podem a partir de agora julgar causas em que suas mulheres e seus filhos sejam advogados das partes. Só a mulher do ministro Zanin atua como advogada em pelo menos 14 ações atualmente em andamento no STF. Como em tantas outras questões, a pergunta que fica é: “Existe coisa parecida em qualquer suprema corte do mundo?
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima