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O presidente da República, naturalmente, tem o direito de confiar em quem quer e de desconfiar de quem ele acha que não merece a sua confiança. Tem, como é óbvio, o direito de nomear e demitir os seus próprios ministros, sem ter de pedir licença para o Congresso, o Poder Judiciário ou os outros ministros da sua equipe. Não tem a obrigação, enfim, de explicar por qual motivo nomeou ou demitiu este ou aquele ministro – embora esse tipo de justificativa certamente acabe ajudando a tornar o seu governo e as suas decisões mais compreensíveis para o público pagante.
Com tudo isso, a demissão do general Santos Cruz do cargo de ministro da Secretaria de Governo, em junho do ano passado, permanece um episódio em aberto. Seria melhor, para todos, que estivesse fechado. Mas não está.
Como foi amplamente divulgado na ocasião, vieram ao conhecimento geral, um pouco antes de sua demissão, umas fitas gravadas de conversas pessoais do general Santos Cruz no qual sua voz – ou o que foi apresentado como sua voz – dizia uma série de barbaridades contra o presidente Jair Bolsonaro e membros de sua família.
O general, desde o começo, disse que era tudo mentira. Nunca tinha falado nada daquilo – mesmo porque, no momento em que as gravações foram feitas, ele estava dentro de um avião, isolado do resto do mundo, viajando para São Gabriel da Cachoeira, nos confins da Amazônia. Não adiantou muito, ou não adiantou nada.
O presidente da República, em vez de aceitar a palavra de um oficial general do Exército brasileiro, aparentemente acreditou no que diziam as fitas – anônimas na ocasião e anônimas até agora, do ponto de vista da sua autoria. Nunca, pelo menos, ninguém disse o contrário.
Tudo poderia ficar por isso mesmo se não fosse um detalhe: as gravações foram forjadas. Uma longa perícia da Polícia Federal, que acaba de ser divulgada, comprovou que as fitas com acusações ao presidente Bolsonaro foram uma obra de falsificadores. É uma história para lá de péssima. Quer dizer que falsários têm acesso ao presidente da República, para lhe mostrar conversas telefônicas de um dos seus ministros não apenas gravadas ilegalmente, mas também falsificadas?
Bolsonaro não precisa de gravação nenhuma, verdadeira ou falsa, para demitir um ministro de Estado; basta que não tenha mais confiança nele, ou simplesmente não o queira mais no ministério. Mas do jeito que esta história ficou, não é possível, positivamente, achar que está tudo bem, e que não aconteceu nada demais.
Há um lado escuro no governo do presidente Bolsonaro. Claro que há. Não adianta nada ficar inventando uma “transparência” que não existe em governo nenhum do mundo – por que iria existir aqui? Quem faz este tipo de observação, na verdade bem simples, é normalmente descrito nos círculos do governo, na melhor das hipóteses, como um idiota que não sabe do que está falando. Nos demais casos é classificado como mais um inimigo do presidente e aliado oculto dos que torcem pela desgraça do país.
Não se trata de uma coisa e nem de outra, Trata-se apenas de dizer o óbvio: episódios como o do general Santos Cruz são um desastre para o governo.