Ouça este conteúdo
No tempo, já distante, em que havia comunistas de verdade no Brasil e no mundo, os bons comunistas se esforçavam todos os dias para denunciar o imperialismo ianque, os trustes internacionais e, em momentos de paixão social, a exploração do homem pelo homem. Hoje em dia, denunciam a cloroquina. Fazer o quê? A passagem do tempo produz mesmo essas coisas. A regra, hoje em dia, é o barateamento geral das causas: das grandes questões da humanidade, caiu-se para a militância em torno de um comprimido vendido em farmácia.
Os comunistas que ainda sobrevivem (no Brasil, eles têm até um partido) não estão sozinhos: são acompanhados nessa sua balada pela esquerda em geral, as classes intelectuais e a OAB & Similares. E o seu negócio não é só a cloroquina. Cada vez mais, inclui-se na sua lista de tarefas as mais exóticas miudezas do dia-a-dia — desde, naturalmente, que o presidente Jair Bolsonaro tenha aberto a boca em relação à alguma delas. Bolsonaro foi a favor? Então é missão política da esquerda ficar contra. Bolsonaro ficou contra? Então o militante tem de ficar a favor.
A última dessas piadas é o conflito em torno de um dos temas mais desimportantes que alguém poderia encontrar no presente momento: a Copa América de Futebol, um desses torneios que fica esquecido antes mesmo de se disputar o último jogo, e que muitos torcedores nem sabem direito o que é. Essa Copa, que ia ser disputada na Argentina e na Colômbia, acabou transferida para o Brasil, pelo aparente caos sanitário e de outros tipos existente nos dois países. Pronto: como Bolsonaro deu apoio à ideia, a esquerda ficou imediatamente indignada. Copa América no Brasil? Nem morta.
Como — indignou-se a esquerda — alguém pode pensar em aceitar um negócio desses num “momento de pandemia”? Do mesmo jeito que a cloroquina, a disputa de um torneio de futebol virou uma questão de vida ou morte. Não se comenta que todos os jogos, como acontece há mais de um ano na Europa e no próprio Brasil, serão disputados sem a presença de público nos estádios. Também não vem ao caso, para a militância anti-Copa, que neste preciso momento estejam sendo disputados de norte a sul do Brasil, ao mesmo tempo, o Campeonato Brasileiro, a Copa Brasil, a Libertadores da América e a Copa Sul-Americana — isso para não citar mais um caminhão de competições. Não interessa: Copa América, não. Aí já é genocídio.
Não há nenhuma surpresa, é claro, que os jogadores da seleção brasileira de futebol tenham aderido a esse ataque de nervos. Trata-se, hoje, de uma aglomeração de milionários que pensam aquilo que os seus agentes, gerentes, assessores de imprensa, agregados, “estilistas pessoais”, gestores de imagem, etc, etc, etc, mandam que eles pensem; vivem numa das bolhas mais bolhas que se pode encontrar por aí, em contato zero com a realidade.
Fazem cara de “cidadão sério-consciente-responsável” nas entrevistas na televisão; não impressionam uma criança com dez anos de idade. No fim das contas, depois de passar uma semana dizendo em particular que não iriam jogar (a imprensa garantiu que “o grupo estava fechado”) decidiram fazer o contrário. Como se diz: fizeram que iam, não foram e acabaram “fondo”.
Foi mais um desapontamento para a esquerda e a Frente Nacional Pró-Quarentena, mas aí é que está: não se pode confiar cegamente em aliado novo. Quem sabe numa próxima vez? Afinal, como a cloroquina, a seleção de futebol tem tudo para virar “coisa de esquerda”. Do jeito que ficaram os jogadores, com a sua excitação nervosa permanente, as suas pretensões e a sua ânsia em ser “politicamente corretos” — além dos seus jatinhos —, futebol e esquerda se merecem.