Ouça este conteúdo
Quase todos os governadores dos 27 estados brasileiros, incluindo-se aí o do Distrito Federal, terão pelo menos uma coisa em comum nas suas biografias: o fracasso diante da Covid. Uns tiveram resultados piores que os dos outros, outros erraram mais do que uns, e a maioria teve a coparticipação entusiasmada dos prefeitos no fiasco geral. Mas todos foram derrotados. Estão querendo, ao que parece, fazer “um pacto nacional” para dizer o quanto são bons. Não vai adiantar nada.
Não é uma questão de ponto de vista. Os fatos mostram que os governadores – “autoridades locais”, como foram definidos pelo STF – estão administrando a Covid com autonomia e com responsabilidade exclusiva, no mundo das coisas práticas, há mais de um ano. Passado este tempo todo, os hospitais públicos sob a sua gerência direta estão em colapso – sem leitos suficientes nas UTIs, sem equipamento adequado, e sem outras coisas essenciais para o tratamento da doença. São eles mesmos que dizem isso.
Por que os hospitais públicos estão em colapso, se os governadores tiveram um ano inteiro, e mais de R$ 30 bilhões em verbas da União, para cuidarem do serviço? Não pode ser porque foram competentes e tiveram azar. Não pode ser porque houve uma quantidade de infectados não prevista, ou porque ocorreu alguma outra surpresa. Não foi por culpa de seres extra-terrestres. O que aconteceu, para quem não quer ser enganado com palavrório vazio, é que os responsáveis fizeram mal o trabalho que estavam obrigados a fazer.
Durante este ano em que tiveram plenos poderes para tratar da epidemia quase todos os governadores brasileiros, com a participação dos prefeitos, fizeram o que bem entenderam e não tiveram de responder legalmente por nada. Governaram por decreto-lei, fizeram compras sem licitação, proibiram a entrada nos parques públicos, fecharam o comércio, fecharam a indústria, fecharam as escolas. Há um ano vivem e governam para um mundo exclusivo da classe média alta, e daí para cima – o mundo do “home office”, do “delivery” e do “fique em casa”, facilidades não disponíveis para a imensa maioria da população brasileira. Em troca, temos 260 mil mortos e hospitais quebrados.
Os governadores já puseram a culpa do seu fracasso no presidente da República, porque, entre outros delitos anti-distanciamento social, ele não usa máscara, faz discurso em aglomeração e diz que se cansou do “mimimi” em torno da epidemia. Agora, para reforçar, deram de jogar a culpa em ninguém menos que os próprios cidadãos que governam – em seu modo de ver as coisas, são eles que estão causando a doença, por não obedecerem às ordens dos “comitês de salvação pública” montados dentro dos governos estaduais para gerir a Covid.
Não importa que todos obedecem a maioria das ordens, e na maioria do tempo – se foi até a esquina sem máscara, ou coisa parecida, o indivíduo começa a ser visto como um marginal pelas “autoridades locais”. Tanto faz, também, que as ordens que os governadores vêm dando há um ano não tenham servido para rigorosamente nada em termos de reduzir mortes e infecções – que, ao contrário, só aumentam. A culpa, agora, não é mais apenas do presidente. É também da população. Aí eles socam multa em cima das pessoas – e ficam com a consciência em paz.