Deve haver nos palácios de governo espalhados por este mundo afora uma doença chamada “palacite”. Ela vem de um vírus agressivo, altamente contagioso e imune, até agora, a qualquer vacina ou antídoto conhecido pela ciência humana. Seu efeito é desligar uma parte dos circuitos mentais das pessoas que vivem nesses habitats – aqueles que bloqueiam, naturalmente, que se diga em público coisas que só podem ser ditas no íntimo de cada um, ou só com a certeza absoluta de que não serão ouvidas por ninguém.
O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, está contaminado há muito tempo; passa grande parte do seu horário de trabalho, aliás, dizendo o que não deve. Não importa se o que pensa está certo ou está errado – ele pode pensar o quanto quiser, só não pode sair dizendo por aí. O ministro Paulo Guedes, ainda outro dia, teve dois surtos seguidos dessa mesma "gripe".
O vírus parece ter pego, de uns tempos para cá, um outro habitante graduado – e põe graduado nisso – do Palácio do Planalto: o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, coisa que a imensa maioria dos brasileiros não sabe o que é, mas que todo mundo que entende de politica garante ser importantíssimo.
Pois esse general Heleno, homem tido como inteligente, razoável e altamente preparado para o exercício da função pública, foi afetado, ele também, pela “palacite”. Justo numa hora dessas, em que todo mundo acha essencial um esforço extra do governo para buscar a paz com quem está fora dele, o general se sai com um destampatório no qual diz que o Congresso tem reivindicações “insaciáveis” e que não se pode aceitar os senhores parlamentares “chantagearem a gente o tempo todo”.
É tudo o que os inimigos do governo pedem ao céu que aconteça – é mais água turva para a sua pescaria, uma dessas “crises” que se amontoam umas em cima das outras e abastecem de graça a oposição, mais todos os que torcem contra, com argumentos para dizerem que tudo vai mal no Brasil. O general Heleno não fez um discurso fazendo as acusações mencionadas acima, é claro; não se chegou a esse ponto. Mas disse aquilo tudo numa conversa com os ministros Paulo Guedes e Luiz Eduardo Ramos, no Palácio da Alvorada, e um áudio do que disse foi interceptado. Dá na mesma.
Não adianta nada, agora, o ministro reclamar que suas conversas pessoais foram violadas – é péssimo que seja assim, mas não estamos aqui num jogo entre cavalheiros. Ninguém precisa ensinar a um oficial-general do Exército que zelar pela segurança das suas comunicações é uma obrigação básica para alguém no cargo que ele ocupa. O ministro Heleno não quer que as palavras ditas em particular por ele sejam repetidas em público? Pois então que tome providências práticas para que isso não aconteça – ou não diga, simplesmente, aquilo que não quer que ninguém ouça. Não é que seja um problema insolúvel.
Se o governo Bolsonaro enfiar na própria cabeça, de uma vez por todas, que basta entregar resultados, na economia e na ação administrativa, para liquidar já a sua parada com a oposição, a vida política muda de cara no Brasil. Os adversários estão morrendo, literalmente, por falta de matéria prima para combater o governo. Mas a “palacite” descontrolada está dando a eles, a cada dia, a munição que não têm e não vão ter no futuro visível. Seus maiores colaboradores, hoje, estão dentro e nas vizinhanças do Palácio do Planalto.
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