Desde os seus primeiros instantes, um ano atrás, os tumultos ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023 têm sido um assombro. O quebra-quebra nos palácios dos Três Poderes, que acabou assim que a polícia chegou e do qual ninguém saiu machucado, foi imediatamente apresentado como uma tentativa de “golpe de Estado”. A presidente do Supremo Tribunal Federal, num certo momento, chegou a dizer que a democracia brasileira tinha sofrido ali o seu Pearl Harbour – o ataque aéreo do Japão contra a ilha americana do Havaí, que deixou 2.400 mortos e fez os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial.
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O “golpe”, oficialmente certificado como golpe pelo STF, o complexo Lula-PT e a maior parte da imprensa, é um clássico em matéria de crime impossível: não poderia materialmente ter sido cometido pelos acusados. É a velha fábula do sujeito que dá três tiros na cabeça de um cadáver. Ele não pode ser julgado por homicídio, pois é impossível matar uma pessoa que já está morta. A partir daí, passou a valer tudo – a começar pela abolição dos direitos civis dos réus.
O ministro, na entrevista, disse que houve uma “tentativa de planejamento”. O que poderia ser, mais exatamente, uma “tentativa de planejamento”?
O caso acaba de ganhar um intenso “plus a mais” na véspera de completar seu primeiro aniversário. O ministro Alexandre de Moraes, segundo ele próprio afirmou numa entrevista ao jornal O Globo, seria enforcado pelos supostos golpistas na Praça dos Três Poderes, ou assassinado na estrada de Brasília a Goiânia. É a acusação mais grave de todas as que já foram feitas desde o começo dessa história.
Seria, na verdade, o pior ato de violência contra um homem público brasileiro desde a facada que quase matou o ex-presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 – com a diferença, felizmente, que o enforcamento do ministro, ao contrário da facada, não aconteceu. É mais um assombro. Como um crime dessas proporções ficou em sigilo até hoje? Por quebrarem umas vidraças e tirarem do lugar as cadeiras dos ministros no STF, as pessoas estão sendo condenadas a até 17 anos de cadeia. Um possível homicídio, então, estaria clamando a vingança dos céus. Em todo caso, não poderia ser reduzido a uma declaração em jornal.
O fato é que está sendo feito um esforço concentrado para dar novas vidas à ficção de que houve uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro.
Infelizmente para o conhecimento do público, a melhor oportunidade para se esclarecer isso tudo era a própria entrevista – mas não ocorreu a ninguém perguntar nada ao ministro Moraes. Quem planejou o enforcamento, ou o assassinato na beira da estrada? “Eles”? “Eles”, só, não basta. Quem iria cometer os crimes? O ministro, segundo sua denúncia, seria levado para uma prisão em Goiânia, ou morto no caminho para lá. Qual prisão? Um quartel do Exército? Uma delegacia de polícia? Cárcere privado? Há alguma prova para as acusações feitas? Por que Alexandre de Moraes só falou disso agora, quase um ano depois dos fatos? É alguma coisa que as investigações só descobriram nestes últimos dias?
O ministro, na entrevista, disse que houve uma “tentativa de planejamento”. O que poderia ser, mais exatamente, uma “tentativa de planejamento”? Algum dos “golpistas” tentou planejar os crimes, mas não conseguiu? A única pista para a ausência de perguntas e respostas é uma afirmação do próprio Moraes: “Tenho muito processo para perder tempo com isso. E nada disso aconteceu, então está tudo bem”.
O fato é que está sendo feito um esforço concentrado para dar novas vidas à ficção de que houve uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro. Fica mais patente, a cada dia, que os processos criminais contra os participantes do quebra-quebra – e mesmo contra quem estava a quilômetros de distância, protestando diante do QG do Exército em Brasília – são o maior monumento ao absurdo que a Justiça brasileira jamais construiu ao longo de sua história.
Os réus tinham tanta possibilidade concreta de dar um golpe naquele dia quanto a de invadir o planeta Marte; é por isso, entre outras razões, que começa a crescer no Congresso a ideia de uma anistia. É essencial, então, impor a imagem de que são os criminosos mais hediondos do Brasil – embora o linchamento do ministro Moraes em praça pública, segundo ele mesmo diz, seja algo com que não vale a pena perder tempo. É mais um espanto.
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