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O ministro Alexandre de Moraes quer fechar o X no Brasil. Sempre quis, em toda a sua neurose declarada diante das plataformas de comunicação: desde o tempo do Twitter, censura posts, derruba perfis, proíbe que as pessoas escrevam coisas que ainda não escreveram, indicia em inquérito policial, o diabo. Sua fixação nem é exatamente o X. O que tira o ministro do sério é a simples existência de um meio de comunicação de massa ao qual todo mundo tem acesso; acha que isso não é natural, ameaça a segurança do Estado e “dá a qualquer um o direito de dizer o que bem entende” - coisa que ele considera um absurdo. Na verdade, e conforme ele próprio já disse em público, o que não deveria existir é o próprio telefone celular. Antes dele, segundo Moraes, o mundo era muito melhor.
Agora, em mais uma manobra da grande guerra que vem movendo há meses contra o X, o ministro tenta a destruição final do inimigo. Mandou a plataforma nomear “em dois dias” um presidente para as suas operações no Brasil, coisa que não vai acontecer, esperando com isso expulsar a rede do país por “não cumprimento de ordem judicial”. O X, dias atrás, fechou todos os seus escritórios no Brasil. Não tem mais nem presidente e nem os 40 funcionários que tinha, para impedir que Moraes continue a perseguir, multar e ameaçar de prisão os integrantes da equipe. O ministro, então, decidiu lançar sua última barragem de mísseis: ou o Xis nomeia um presidente para ser preso, ou vai sofrer represálias não especificadas que tornariam impossível a manutenção do seu serviço no país.
Como sempre acontece no procedimento-padrão de Alexandre de Moraes, protegido por uma carta branca perpétua dos seus dez colegas de STF, não há rigorosamente nada de legal em sua decisão. A ilegalidade mais patética, desta vez, é a intimação de Elon Musk através de postagem via internet – e, pior, pelo próprio X. Não pode. O proprietário da plataforma, como qualquer outra pessoa, tem o direito de receber sua intimação por via legal – no caso, uma carta rogatória às autoridades judiciais americanas, já que ele mora e está nos Estados Unidos. Isso quer dizer que a ordem dada por Moraes é simplesmente nula – mas e daí? Mais uma vez, o STF vai se ver obrigado a dizer que o colega tem o direito de violar a lei, por mais escandalosa que seja a violação. Como diz o presidente Barroso, o STF não é mais “uma repartição técnica”, e sim “um poder político”, e como tal não tem de prestar contas a ninguém de nada do que faz.
Quem perde mesmo são os mais de 20 milhões de usuários brasileiros do X, que podem ficar sem a plataforma em que expressam as suas opiniões
O ministro, a cada dia que passa, vai se transformando num personagem de arquivilão de gibi. Não pode dar “dois dias” para uma empresa privada escolher seu presidente. Não pode dar ao X ordens para censurar os seus usuários. Não pode ameaçar de prisão, com argumentos de guarda noturno, os funcionários da empresa. Não pode, na verdade, tomar as dezenas de decisões ilegais, ou centenas, que vem tomando há cinco anos, quando armou o inquérito tipo fim do mundo que desde então tornou-se mãe de todas as ilegalidades no Brasil. No caso, ele encontrou pela frente não mais um dos pobres coitados que condena a 17 anos de cadeia. Encontrou Elon Musk, que não tem o menor medo dele, está sentado em cima de 300 bilhões de dólares e lhe diz, desde o começo da briga: “Não vou cumprir suas ordens, Alexandre, porque elas são ilegais. Você quer que eu aplique censura aos usuários do X, e a Constituição do Brasil proíbe a censura. Vai ver se eu estou na esquina”.
As tropas de choque de Moraes, na esquerda, na mídia e nos advogados que vivem em estado permanente e automático de puxação de saco do STF, se fecharam num argumento de centro acadêmico. Musk tem de ser punido porque estaria se recusando a cumprir “ordens judiciais” das autoridades “brasileiras” - com ênfase nesse “brasileiras”, para mostrar indignação patriótica contra a interferência “estrangeira” em nossos “assuntos internos”. É um perfeito disparate, como em quase tudo que dizem em defesa do ministro. É jurisprudência firmada no próprio STF, desde 1996, que ninguém no Brasil é obrigado a cumprir ordem ilegal ou submeter-se a ela, “ainda que emanada de autoridade judicial”. O que pode haver de mais claro do que isso? Elon Musk não está desobedecendo ordem judicial nenhuma. Está se recusando a cumprir ordens de censura flagrantemente ilegais. É seu direito.
Moraes está enfurecido com Musk desde que tomou o primeiro ritornelo na sua briga com ele. Não deveria estar, porque isso não é uma atitude profissional para alguém que ocupa um cargo de magistrado – mas faz muito tempo que o ministro deixou de operar como magistrado e passou à função de delegado-geral de polícia secreta. Ele não se conforma que Musk ignore suas ordens, e, sobretudo, que continue rindo de seus ataques de ira. Só neste último episódio, chamou Moraes mais uma vez de “Valdemort”, publicou uma montagem com o ministro atrás das grades (“um dia essa imagem vai ser real; tome nota do que eu digo”, escreveu ele no X) e postou um rolo de papel higiênico com a inscrição “Alexandre”. É desrespeito? É. E o desrespeito perene de Moraes com a lei e com os brasileiros?
Moraes não tem nenhum limite nessa guerra em que usa seu cargo público para retaliar um desafeto pessoal. Não podendo fazer nada mais contra o X, atacou agora a Starlink, empresa de Musk que fornece o suporte de satélites espaciais para sistemas de comunicação – de telefonia móvel aos serviços de comunicações das Forças Armadas e que tem sido essencial, por exemplo, para permitir que a Amazônia se comunique com o Brasil e o mundo. A Starlink é uma empresa e o X é outra; não é responsável pelas decisões da plataforma, nem por suas dívidas e quaisquer outras obrigações legais. Tanto faz. A lei, no regime de exceção que manda no Brasil de hoje, não é a lei – é Alexandre de Moraes. Sua vítima real, aí, não é Elon Musk; tudo o que pode perder nas suas operações brasileiras são uns trocados para ele. Quem perde mesmo são os mais de 20 milhões de usuários brasileiros do X, que podem ficar sem a plataforma em que expressam as suas opiniões. São eles, no fim das contas, que o ministro quer de fato reprimir.