As conclusões da Polícia Federal no inquérito que o ministro Alexandre de Moraes mandou abrir em junho do ano passado, para apurar suspeitas de “crimes contra a democracia” por parte das empresas internacionais que operam redes de comunicação social, são mais uma prova material do grau de deformação a que o STF reduziu a atividade policial no Brasil de hoje.
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O inquérito, numa democracia séria, nunca poderia ter sido aberto, pois se destinava a investigar um crime que simplesmente não existe – dar opinião sobre uma lei em discussão no Congresso Nacional. A polícia, no mesmo tipo de sociedade, também não poderia escrever o relatório que escreveu. As provas apresentadas são notícias da imprensa e as opiniões de uma repartição universitária do Rio de Janeiro que funciona como célula política, mais o julgamento pessoal dos policiais sobre o caso.
Ninguém pode ser acusado de ser contra a aprovação de uma lei – ou de ser a favor. Afinal, projetos de lei estão aí justamente para isso: ser debatidos.
A banalidade com que a autoridade pública trata a violação permanente das leis no Brasil acabou produzindo um fenômeno curioso: a cada inquérito que faz, a Polícia Federal fica mais parecida com o ministro Alexandre de Moraes. Não tenta mais fazer, nos casos dirigidos por ele, o trabalho profissional que o público espera da polícia – ou seja, descobrir o que de fato aconteceu. Sua preocupação é ser uma espécie de assistente de acusação para o ministro, em todas as vezes que ele acumula as funções de juiz e promotor ao mesmo tempo. Ele quer que a gente descubra isso ou aquilo? Então vamos descobrir exatamente o que ele quer que seja descoberto.
Essa aberração, naturalmente, está levando a PF produzir conclusões cada vez mais aberrantes. É uma espécie de linha de montagem. Já saiu dali, por exemplo, a “aparente agressão” que teria sido feita contra Moraes no aeroporto de Roma – um tipo de delito até então desconhecido. Os policiais também dizem, com toda a seriedade do mundo, que descobriram estilingues e bolas de gude com os “golpistas” do dia 8 de janeiro; falam num tom de denúncia gravíssima, como se tivessem descoberto a arma secreta que o Doutor Silvana iria usar no seu plano para controlar o mundo. Tornaram-se os maiores especialistas do planeta na apreensão de celulares, notebooks e passaportes. Conseguiram a “delação premiada” do coronel Mauro Cid, uma bomba de hidrogênio que destruiria o bolsonarismo; até hoje, cinco meses depois, não se sabe o que se delatou.
O inquérito das redes sociais é mais uma joia na coroa. “As grandes empresas de tecnologia, nomeadamente a Google e a Telegram”, concluíram os investigadores, “adotaram estratégias impactantes e questionáveis contrárias à aprovação do Projeto de Lei 2.630” – o da censura das redes sociais, um sonho de Lula, de Moraes e, como se vê agora, da PF.
Deixe-se de lado anomalias como o uso da expressão “questionáveis”, julgamento de valor que não cabe a polícia fazer num inquérito. A demência, nessa história, é acusar alguém de ser contra a lei da mordaça. Como assim? Ninguém pode ser acusado de ser contra a aprovação de uma lei – ou de ser a favor. Afinal, projetos de lei estão aí justamente para isso: ser debatidos. Acusar a Google e a Telegram de serem contra o PL 2.630 é o mesmo que acusar um deputado de subir à tribuna e exigir a rejeição do texto defendido pelo governo.
Nem a PF foi capaz de dizer que as empresas cometeram “crimes contra a democracia”. Mas hoje não se perde viagens nessas coisas. Como não dá para dizer, oficialmente, que Google e Telegram praticaram um delito de opinião, a polícia acusa as duas de crimes contra as “relações de consumo” e “abuso de poder”, embora não tenham poder para dar uma multa por estacionamento proibido. Mas é a esse nível que se desce, quando os governos criam uma polícia política.
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