Não deve haver na história dos desastres praticados pelo Congresso brasileiro alguma coisa muito pior que essa “CPI” armada dentro do Senado federal para investigar, de acordo com o seu propósito oficial, os erros e delitos mais graves que foram cometidos em pouco mais de um ano de combate à Covid no Brasil.
Comissões Parlamentares de Inquérito, como se sabe desde o governador-geral Tomé de Souza, nunca fazem inquérito nenhum, não descobrem nada que fique de pé num processo judicial e, sobretudo, jamais punem alguém. Mas essa que inventaram agora para investigar a Covid é realmente um caso para medalha de ouro em matéria de hipocrisia, safadeza e ocultação de crime.
Em quase um mês de atividade, a CPI não fez nada de útil; a cada dia, deixou na cara de todos o seu papel de palco para políticos da pior qualidade se exibirem de graça (de graça para eles, mas às custas do dinheiro público torrado na CPI) para as manchetes de sites, telejornais e programas de rádio. Gritaram, tiveram acessos de nervos, agiram como agentes de polícia numa delegacia de interior, e não comprovaram legalmente coisa nenhuma.
Em compensação, tiveram sucesso completo em conseguir aquilo que sempre quiseram, antes mesmo da primeira sessão: esconder os crimes que realmente foram praticados, às centenas e no montante de milhões, pelas “autoridades locais” a quem o Supremo Tribunal Federal entregou a responsabilidade de lidar com a epidemia. (Nenhuma de suas decisões, como todos lembram, pode ser alterada em instância superior.)
Foi, durante todo o ano passado e o começo deste, o império absoluto do “covidão” – uma roubalheira desesperada de tudo o que é possível roubar numa emergência de saúde, de respiradores artificiais a máscaras de proteção para o rosto. É claro: governadores, prefeitos e seus associados receberam licença para gastar sem concorrência pública. O que você acha que aconteceu?
Aconteceu que as “autoridades locais” baixaram quase 5 mil medidas relacionadas com a Covid, e nesse oceano de papelório meteu-se à mão sem dó nem piedade. Só a Polícia Federal, segundo reportado pela Gazeta do Povo, abriu 77 investigações diferentes de ladroagem pelos quatro pontos cardeais do território brasileiro, envolvendo mais de 2 bilhões de dinheiro roubado.
No caso mais espetacular, o do Rio de Janeiro, suspeita-se que meteram a mão em mais de 800 milhões de reais. A coisa ficou tão escandalosa que até a Assembleia Legislativa do Rio, que tinha convivido em perfeita paz, durante anos, com o ex-governador Sergio Cabral (condenado a mais de 200 anos por corrupção) e dado posse a cinco de seus deputados que estavam na cadeia no dia da posse, achou que assim era demais – acabou cassando o mandato do governador Wilson Witzel.
Outras investigações da polícia envolveram ladroagem pesada no Amazonas (que tem um senador na presidência da tal CPI, acredite se quiser), Pará e São Paulo – onde se pode encontrar alguns dos defensores mais histéricos do “distanciamento social” e da ideia de que tudo deve continuar fechado para sempre.
Nem um átomo disso tudo passou pela CPI – ao contrário, a gritaria do presidente e do relator, que é ninguém menos que Renan Calheiros, um dos políticos mais enrolados com o Código Penal em todo o planeta, é para dizer que o problema está em outro lugar. Mais precisamente, no governo federal – onde pode ter havido uma tonelada de erros e coisa pior que erro, mas cuja existência tem de ser comprovada por fatos, e não por surtos de neurastenia ou por atos de arbitrariedade grosseira dos inquisidores.
A CPI está fazendo precisamente o oposto. Levanta um berreiro em relação a coisas que não comprova. Exige um silêncio de cemitério em relação aos crimes que realmente aconteceram.
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