Nada prospera melhor no Brasil de hoje do que o mercado da intolerância - resultado inevitável do ataque que se faz há anos contra as liberdades, tanto na arena política como nos mais altos degraus do poder judiciário. A liberdade, dia após dia, foi sendo transformada num mal em si. Ela serve apenas à “direita”, segundo foi decretado pelos que mandam na vida pública do país. Deixou de ser uma virtude; hoje as almas progressistas, em vez de defenderem a liberdade, querem que ela seja eliminada. Vai-se embora, nessa ofensiva, a capacidade de ouvir uma opinião contrária e de aceitar que pontos de vista divergentes convivam no ambiente público. A divergência, conforme o lado da cerca, não é mais um direito constitucional do cidadão; virou um caso de polícia. O cidadão que diverge deixou de ser um adversário de debates; passou a ser alvo de processo penal, por crimes contra “a democracia”.
A frase mais popular entre as estrelas da esquerda brasileira, hoje, é: “Não vamos tolerar”. Seja lá o que for, o mandamento é não aceitar nada que venha do outro lado – não se tolera manifestação de rua, a livre palavra nas redes sociais, o porte da bandeira nacional em público, as críticas às ilegalidades em massa que não param de ser cometidas, a posse legal de armas de fogo e por aí afora. Acima de tudo, não se tolerem os “atos antidemocráticos”, que hoje funcionam no Brasil como os “atos contrarrevolucionários” de Cuba ou da Rússia comunista – ou seja, servem como ferramenta para reprimir quem não obedece ao regime. Os “atos antidemocráticos”, salvo em episódios doentios como a invasão dos edifícios dos Três Poderes em Brasília, não têm nada a ver com ataques à democracia; exatamente ao contrário, não há nada que separa melhor as democracias das ditaduras do que a possibilidade de ir à praça pública para exprimir opiniões políticas ou de qualquer outro tipo. Aqui virou crime.
O cidadão que diverge deixou de ser um adversário de debates; passou a ser alvo de processo penal, por crimes contra “a democracia”
Essa visão deformada é aceita como religião oficial do novo regime que começa a se formar no Brasil – e nada deixa isso tão claro quanto à adoção, por parte da mídia, do mundo político e das classes intelectuais das mesmas palavras, exatamente as mesmas, para descrever os brasileiros que fazem protestos de rua. Todos são chamados, sistematicamente, de “golpistas”, ou de “bolsonaristas”, ou de “fascistas”, ou de autores de “atos antidemocráticos” e até mesmo, agora, de “terroristas”. Não importa o que tenham feito no plano das realidades concretas; todo o cidadão que vai hoje para a rua vestido de verde amarelo, ou levanta uma faixa dizendo “Fora Lula”, é acusado, julgado e automaticamente condenado no noticiário como “golpista”. Em relação a ele, o dever democrático do governo e do seu sistema de apoio é, acima de tudo, não procurar o diálogo e muito menos estender a mão. O pensamento único é: “Tolerância Zero”.
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