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J.R. Guzzo

J.R. Guzzo

Reforma administrativa

Servidores nem-nem (não trabalham e nem largam o osso) custam R$ 8 bilhões por ano

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Monumento Dois Candangos, um dos símbolos de Brasília: servidores públicos que tiveram funções extintas continuam a receber do erário público mesmo sem trabalhar. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Fala-se dia sim dia não no noticiário, ou quase isso, sobre a reforma administrativa — em geral, para apresentar essa tentativa de reduzir um pouco a demência do serviço público neste país como fatiada, aguada, desidratada, amputada, adiada, travada e mais uma porção de coisas ruins. É natural. Jornalista gosta mesmo deste tipo de assunto, que enche espaço, não dá trabalho e pode ser levado ao público a qualquer hora do dia ou da noite. Mais: como o objetivo é racionalizar, por menos que seja, a máquina estatal, a reforma está sempre passando por todo o tipo de problema, o que fornece mais uma oportunidade para se falar em “crise no governo” — o tema preferido da mídia nacional.

Toda essa conversa é uma grande pena, porque fala-se de tudo e não se fala do essencial: o aparelho do Estado brasileiro é uma peça-chave do atraso, da desigualdade e da injustiça que desgraçam o Brasil desde sempre. Mudar, e mudar profundamente, o sistema no qual esse desastre se baseia não é “problema de político”, ou de “especialista-técnico-perito”em administração; não é problema de economista. É um problema que ataca diretamente o bolso do cidadão, insulta a lógica e desrespeita as noções mais elementares da equidade e da decência.

Enquanto se debate a reforma administrativa na estratosfera de Brasília, que tal mostrar um pouco ao público um ou outro — só um ou outro — dos escândalos mais agressivos desse mecanismo? Desses que são de compreensão imediata, representam um tapa na cara do cidadão e não podem ser justificados por absolutamente nada? Na verdade, nem é preciso falar em “um ou outro”. Basta falar em um, o vínculo com o empregador — que não é “o governo”, como se diz no bonde PT-PSL-PCdoB-etc, e sim a população que paga impostos.

O funcionário público, ao contrário do que acontece com qualquer mortal, é contratado pelo resto da vida; quando entra, fica em média 60 anos sendo pago pelo erário, entre serviço ativo e aposentadoria — isso mesmo, 60 anos. Não importa para que tipo de trabalho: uma vez que a pessoa passa no concurso e é contratada como funcionário, o vínculo é eterno. Se você, por exemplo, quer pintar a sua casa e contrata um pintor para fazer o serviço — passa na cabeça de alguém que o sujeito tem de ficar empregado pelo resto da vida? É exatamente isso o que acontece no funcionalismo público.

O servidor público no Brasil não é contratado segundo os interesses da sociedade que paga pelos seus serviços, mas única e exclusivamente segundo os interesses dele, servidor. Talvez nada demonstre esse disparate de forma tão chocante quanto o fato de que você continua pagando, e vai pagar durante toda a aposentadoria, funcionários que não têm nada a fazer — zero, mesmo — porque as suas profissões desapareceram. Por exemplo: datilógrafos, operadores de telex, ascensoristas, classificadores de cacau e por aí vamos.

Nenhum deles tem o que fazer — mesmo que quisessem trabalhar, não poderiam, pois não existem mais máquinas de escrever ou aparelhos de teletipo. Teriam de ser demitidos, como ocorre com qualquer outro brasileiro na mesma circunstância, mas a lei não deixa. Poderiam, então, trabalhar em alguma outra coisa? Aí vem o melhor de tudo: não, a lei atual também não permite.

Funcionários encaminhados pelos chefes para um outro tipo de trabalho recorrem à Justiça, invocando o direito de exercer exclusivamente as funções para as quais foram contratados. Ganham sempre — e têm o direito de ficar em casa sem fazer nada, recebendo salário integral, agora e durante toda a aposentadoria, até morrerem.

No momento há 3 mil datilógrafos no serviço público federal; custaram R$ 400 milhões ao contribuinte em 2020. Ao todo, há cerca de 70 mil funcionários ocupando cargos que foram extintos. Seu custo é de R$ 8 bilhões por ano.

Quem paga tudo isso não é “o governo”, como dizem os sindicatos. “O governo” não paga um tostão furado de nada. Quem paga tudo é você, com os seus impostos, a cada vez que acende a luz de casa, liga o seu celular ou enche o tanque do carro. Haveria algum mínimo de justiça em qualquer aspecto dessa aberração? Qual?

A reforma administrativa, como dito no início, está “travada”. Mas será que não se pode mexer nem nessa história das profissões que não existem mais? Não, não pode, dizem a esquerda e os “centristas-equilibrados-socialdemocratas". E deixar assim como está, mas mudar para os novos contratados, pelo menos? Não, também não pode. Não pode nada. Não insista — senão você ainda acaba na CPI da Covid, levando pancada da turma que defende “a vida” e que não pode nem ouvir falar em reforma administrativa.

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