Lula cobrou a apresentação das atas eleitorais, mas minimizou as suspeitas em torno da vitória do ditador Nicolás Maduro na Venezuela.| Foto: André Borges/EFE.
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Não faz muito tempo, nas eleições brasileiras, quem dissesse que o Partido dos Trabalhadores (ou suas lideranças) apoiava regimes autoritários, como o da Nicarágua, corria o risco de ser processado por disseminação de notícia falsa. As penas, não previstas em lei, partiam da simples exclusão de comentários, culminando a exclusão de perfis das redes sociais - sem contar com as multas de dezenas de milhares de reais.

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A última semana foi marcada por fortes discussões sobre o processo eleitoral venezuelano. As eleições recentes foram marcadas por evidências alarmantes de fraude, incluindo notícias de forte censura e repressão a opositores. 

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Desde o começo da corrida eleitoral, María Corina Machado, líder da oposição, foi alvo de uma controversa inabilitação política, enquanto dezenas de seus aliados foram detidos ou presos. Para além de amplo apoio popular, vale lembrar, María contou com 92% dos votos nas primárias da oposição.

Não bastassem os atos de opressão aos opositores, o governo venezuelano parece ter redobrado seus esforços para controlar as narrativas divulgadas na imprensa local. Além do controle estatal sobre os canais de rádio e televisão, múltiplas evidências revelam o uso de técnicas avançadas durante a corrida eleitoral, culminando com o bloqueio de múltiplos canais de informação e comunicação utilizados pela oposição. 

Em meio a relatos de ameaças, detenções políticas e até mesmo sequestros, o povo venezuelano foi às ruas no dia 28 de julho, para eleger seu presidente. De acordo com relatórios do Human Rights Watch, os eleitores se depararam com a presença excessiva de forças de segurança nas ruas. Diversos eleitores relataram ter enfrentado medidas de coação, incluindo ameaça a cancelamento de benefícios sociais, se acaso não votassem no presidente.

Antes mesmo de encerrada a apuração, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado por aliados do presidente, anunciou a sua reeleição; mas os levantamentos apresentados pela oposição, baseados nas atas oficiais a que tiveram acesso, sugeriam vitória confortável de Edmundo González Urrutia, aliado de María. 

Uma semana após, depois de vencidos todos os prazos previstos na legislação local, o CNE permanece silente sobre a divulgação das atas e demais documentos necessários à totalização dos votos e confirmação do resultado. 

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O histórico de autoritarismo, os movimentos de emigração em massa e os indícios contundentes de fraude exigiram firme posicionamento dos países reconhecidos pela defesa do Estado Democrático de Direito: a União Europeia segue exigindo ampla divulgação dos resultados; Estados Unidos e Argentina, com base nas atas divulgadas pela oposição, reconheceram Edmundo como presidente da Venezuela. 

A Organização dos Estados Americanos (OEA) vem se destacando nas medidas contra a falta de transparência no processo eleitoral venezuelano. Com base em evidências de manipulação de resultados, violação a direitos humanos, crimes políticos e outros ilícitos, a OEA chegou ao ponto de anunciar sua intenção de pedir a prisão de Maduro ao Tribunal de Haia.

O histórico de autoritarismo, os movimentos de emigração em massa e os indícios contundentes de fraude exigiram firme posicionamento dos países reconhecidos pela defesa do Estado Democrático de Direito

Diante da comoção internacional, Maduro parece já ter planejado uma saída: ao invés de apresentar os resultados publicamente, como pede a comunidade internacional, o presidente preferiu submetê-los ao Tribunal Supremo de Justicia - uma corte equiparável a uma combinação de STF e STJ, por sua condição de colegiado soberano nas decisões do judiciário, não só nas matérias constitucionais. A Corte tem ampla maioria de aliados do presidente, depois de uma questionada reforma do judiciário ocorrida em 2022. 

Concomitantemente, é preocupante a escalada dos atos de repressão lançados contra manifestantes e opositores de Maduro. Ao passo em que prisões e agressões se multiplicam, María denuncia a invasão do comitê de campanha de Edmundo, além de atos de vandalismo e roubo de documentos. 

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Note-se que países como Rússia, Irã, Cuba, Nicarágua e China, de regimes e posicionamentos políticos notadamente alinhados com os da Venezuela, foram rápidos em congratular Maduro, reconhecendo-o como Presidente reeleito da República Bolivariana da Venezuela. 

E o Brasil? Apesar de, oficialmente, seguir adotando cautela - leia-se, omissão e complacência -, o Partido dos Trabalhadores reconheceu de imediato a vitória de Nicolás Maduro, enquanto o presidente, questionado, partiu em defesa de seu aliado político, em discursos como “não tem nada de grave, não tem nada de assustador”, ou “Lógico que eu vou reconhecer, a hora que for consagrada a vitória”

Vale lembrar: ao passo em que não enxerga gravidade nos atos de prisão, sequestro, assassinato e censura praticados por seu aliado, o presidente classificou os atos de 8 de janeiro - incluindo as manifestações pacíficas - como atos de barbárie, tentativa de ruptura constitucional e/ou de abolição do estado democrático de direito. Os manifestantes foram presos, sob aplauso do chefe do executivo, e submetidos a penas superiores, muitas vezes, às aplicadas contra traficantes de drogas. 

Nesse cenário, dizer que Lula apoia ditaduras é disseminar notícia falsa? E dizer que corremos o risco de ver o Brasil se tornar uma espécie de Venezuela, ainda é um grande absurdo?