| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O princípio fundamental para a manutenção de um Estado Democrático de Direito é a soberania popular, acima de todos e quaisquer princípios e garantias constitucionais. A Constituição da República Federativa do Brasil, norma que constitui, literalmente, o Estado, tem início:  

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:  

I - a soberania; [como primeiro fundamento, propositadamente] 

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II - a cidadania; 

III - a dignidade da pessoa humana; 

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 

V - o pluralismo político. 

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 

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Só há uma forma de se garantir a soberania popular: assegurar ao povo o direito de votar e de ser votado, como verdadeira condição à existência do Estado Democrático. É o chamado sufrágio universal – princípio necessário à manutenção da soberania popular -.  

Há outros princípios fundamentais na Constituição. O direito à vida, por exemplo, é tido como inviolável, razão por que só pode ser mitigado em situações específicas, objetivas, só passíveis de configuração, grosso modo, em tempos de guerra – como a traição ou a deserção -. 

Numa leitura constitucional, portanto, é seguro afirmar que o direito ao sufrágio deve admitir, a exemplo do direito à vida, mitigação rara, objetiva, com critérios objetivamente apuráveis. Assim é que, na redação original, a Constituição Federal previa:  

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.  

E, após a Emenda Constitucional de Revisão nº 4 de 1994, o §9º passou a prever:  

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§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.   

O que é “probidade administrativa”; ou o que são os abusos? Em 2010, quando do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral, n. 901-66.2010.6.16.0000, o Ministro Hamilton Carvalhido já dizia: 

Naquela quadra, ressaltei que estávamos diante de uma verdadeira norma em branco que permitiria aos juízes eleitorais determinarem a inelegibilidade de certo candidato com base em uma avaliação eminentemente subjetiva daquilo que a Constituição denomina de “vida pregressa”, a fim de proteger, segundo o alvedrio de cada julgador, a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato.

Só há uma forma de se garantir a soberania popular: assegurar ao povo o direito de votar e de ser votado, como verdadeira condição à existência do Estado Democrático

Entretanto, ressalvei em meu voto que, “enquanto outro critério não for escolhido pelos membros do Congresso Nacional”, é melhor que prevaleça “aquele estabelecido pela lei complementar vigente”. 

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Esse é o problema fundamental: não podem existir “normas em branco” em seara eleitoral e/ou criminal – que sustentam, como visto, o Estado Democrático de Direito. Por isso, o legislativo regulamentou o §9º por meio da Lei Complementar nº 64/90, que, após algumas reformas, passou a prever alguns critérios objetivos, além de outros em branco, com destaque para:  

Art. 1º São inelegíveis: 

I - para qualquer cargo: 

(...) 

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;  

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(...) 

h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;   

(...) 

Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais. 

 

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Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 

É de se observar, pela própria legislação que trata das investigações eleitorais, que ainda não existe definição legislativa do que é “abuso de poder econômico ou político”; ou seja, permanece “em branco” uma norma restritiva de direito dos mais fundamentais à subsistência do Estado Democrático de Direito. Como consequência, o Judiciário passa a ter controle sobre quem pode ou não se candidatar, em violação temerária à soberania popular e ao sufrágio universal.  

Não bastasse a insegurança jurídica decorrente das recentes penas de cassação e/ou inelegibilidade aplicadas, rotineiramente, pela genérica configuração de abuso de poder econômico, político e/ou dos meios de comunicação social, por pouco não nos deparamos com a criação – pela justiça – da figura do abuso poder religioso, como se vê o voto vencido do Ministro Edson Fachin, nos autos n. 82-85.2016.6.09.0139. Acontece que esse risco não está descartado, diante da permanente possibilidade de revisão da jurisprudência com base nessa norma “em branco”.  

A segurança jurídica desejada apenas existiria caso o Congresso Nacional passasse, assegurando as suas competências, a tratar do tema, de forma que o abuso de poder viesse a ser definido com objetividade e clareza, da mesma forma que são tratados os tipos penais.  

Afinal, temos ou não que assegurar a nossa democracia?

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