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Karina Kufa

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Economia

Reforma tributária: entre promessas e preocupações

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Sessão da Câmara que votou a regulamentação da reforma tributária. (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

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Em uma coluna recente, discutimos os pontos críticos do texto da reforma tributária e suas implicações para o contribuinte brasileiro. O cenário agora ganha novos contornos com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que regulamenta aspectos cruciais da reforma nesta última terça-feira (PLP 68/2024).

É importante rememorar: estamos diante de uma das mais profundas alterações no sistema tributário nacional desde a Constituição de 1988. A promessa é de simplificação, com a substituição de tributos federais, estaduais e municipais por um sistema dual de IVA – a CBS (federal) e o IBS (estados e municípios). Esse modelo de Imposto sobre Valor Agregado, vale dizer, é amplamente utilizado na União Europeia e em diversos países desenvolvidos, embora geralmente com alíquotas significativamente menores que as propostas aqui. Mas será que as recentes definições sobre o texto da Reforma Tributária aprovadas pela Câmara respondem às preocupações que levantamos anteriormente?

O risco de aumento da carga tributária permanece real, a complexidade operacional pode superar a atual, e setores essenciais para o desenvolvimento do país podem enfrentar oneração significativa

O teto da alíquota foi fixado em 26,5% para vigorar a partir de 2033. Contudo, com o atual arranjo de benefícios e exceções, as projeções indicam uma alíquota efetiva de 27,84%. Vale notar que este percentual nos colocaria no topo do ranking mundial de IVA – bem acima da média de 20% praticada nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que reúne as principais economias desenvolvidas do mundo.

Curiosamente, o governo tem até 2031 para, junto com o Congresso, readequar as exceções e garantir que a alíquota não ultrapasse o teto estabelecido. Parece-me um déjà vu do "arcabouço fiscal": promessas de ajustes futuros para justificar flexibilizações presentes. O texto da Reforma Tributária aprovado estabelece uma extensa lista de regimes diferenciados. Temos produtos com alíquota zero (como itens da cesta básica), outros com redução de 60% (incluindo alguns alimentos processados e produtos de higiene), e ainda aqueles que serão sobretaxados pelo Imposto Seletivo.

Essa multiplicidade de tratamentos, embora com aparentes justificativas sociais, traz consigo um desafio operacional significativo. Como garantir a correta aplicação dessas diferentes alíquotas ao longo da cadeia produtiva? A complexidade que se pretendia eliminar pode estar apenas mudando de forma. Chama atenção o tratamento dado a setores essenciais. A educação, por exemplo, terá redução de 60% - mas ainda assim poderá enfrentar aumento de custos em sua cadeia de fornecedores. Os serviços, de modo geral, tradicionalmente menos onerados pelo sistema atual, podem experimentar elevação significativa de carga tributária.

Profissionais liberais conseguiram assegurar redução de 30% nas alíquotas, desde que submetidos à fiscalização por conselho profissional. Mas essa conquista precisa ser analisada no contexto geral: pode não ser suficiente para compensar o aumento da base de cálculo do imposto. Isso porque a alíquota base saltará dos atuais patamares (15%) para algo próximo a 28%, de modo que uma redução de 30% ainda pode resultar em tributação superior à atual. Para ilustrar: um serviço hoje tributado em 15% passaria a 19,6% mesmo com o desconto (70% de 28%).

O cronograma de implementação, que se estende até 2077, revela a complexidade da mudança. A partir de 2026, começamos com alíquotas-teste de 0,9% para CBS e 0,1% para IBS. Em 2027, a CBS é integralmente instituída. Entre 2029 e 2032, ICMS e ISS são gradualmente substituídos pelo IBS. Esse período demandará um esforço hercúleo de adaptação, especialmente das empresas optantes pelo Simples Nacional. Para ter direito a créditos e compensações, terão que adotar uma contabilidade significativamente mais complexa – um paradoxo para um regime que se propõe simplificado.

As recentes definições sobre o texto da Reforma Tributária, embora tragam mais clareza sobre o futuro sistema, não dissipam preocupações fundamentais. O risco de aumento da carga tributária permanece real, a complexidade operacional pode superar a atual, e setores essenciais para o desenvolvimento do país podem enfrentar oneração significativa.

Como disse em artigo anterior, reservo as conjecturas mais profundas para quando tivermos toda a regulamentação aprovada. Mas uma coisa é certa: o contribuinte brasileiro precisará manter-se vigilante. A história nos ensina que, em matéria tributária, simplificações prometidas frequentemente se revelam complexidades disfarçadas.

Por fim, vale a reflexão: estaríamos realmente modernizando nosso sistema tributário ou apenas rearranjando sua complexidade sob nova roupagem? A resposta, infelizmente, só o tempo – e muito dele, já que falamos de uma transição que se estende até 2077 – nos dirá.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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