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Há muitas histórias interessantes no livro “Money Changes Everything”, lançado no ano passado pelo americano William N. Goetzmann, professor de finanças da Universidade Yale. Uma delas é sobre como as cidades criaram as primeiras ferramentas do mercado financeiro –  os empréstimos a juros que crescem com o tempo.

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Em pequenas comunidades antigas, agricultores trocavam favores baseados na tendência natural do ser humano à reciprocidade. Se meu primo teve a plantação destruída por um incêndio, eu empresto a ele algumas cabeças de gado e sacos de milho. Ele me devolve quando a situação melhorar.

Nesses pequenos grupos, em que moradores eram quase sempre parentes ou vizinhos, era possível estabelecer acordos de reciprocidade sem a necessidade de contratos formais.

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Mas quando as grandes cidades da Mesopotâmia surgiram, há 5 mil anos, as pessoas começaram a viver entre gente que não era nem conhecido, nem parente, nem vizinho – ou seja, entre estranhos.

Foi preciso criar um incentivo aos empréstimos – os juros – e uma segurança ao negócio – os contratos formais. “O que antes era um acordo implícito entre vizinhos se tornou um contrato explícito entre estranhos”, conta Goetzmann.

Mesmo antes da invenção da escrita, os mesopotâmios usavam tokens de argila (representando cabeças de gado ou grãos) que ficavam guardados em recipientes lacrados. Registravam assim quem devia o que a quem.

Outra dificuldade das cidades é que nelas havia divisão de trabalho – e, assim, nem todo mundo tinha a mesma profissão. Um padeiro que pegou sacos de milho emprestados tinha que torcer para seu credor aceitar peixes em retribuição. Isso se solucionou com a utilização de metais que serviam apenas como meios de troca – as moedas.

Imagino que muitos arqueólogos devem ter se surpreendido ao decifrar antigos tabletes de escrita cuneiforme. Esperavam encontrar poesias ou cantos em louvor a deuses, mas muitas mensagens eram mundanos registros financeiros, lastreados em metais e grãos. “Quarenta gramas de prata e 900 litros de cevada, Ur-garima emprestou de Puzar-Eshtar”, diz uma placa de argila de 2400 a.C. encontrada no atual Iraque, provavelmente o mais antigo registro de empréstimo que se tem notícia.

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Goetzmann conta que na antiga cidade de Ur, que chegou a 30 mil habitantes, arqueólogos descobriram todo um distrito financeiro. Em diversas casas, havia registros de argila que tinham sido enterrados pelos donos, e que detalhavam créditos e débitos. Por volta de 1800 a.C., comerciantes, padeiros e pescadores dividiam espaço com pessoas que viviam de captar dinheiro de investidores e emprestá-lo a juros mais altos.

Uma delas era Dumuzi-gamil. Registros de argila de Ur mostram que, em 1769 a.C., esse homem tomou 250 gramas de prata emprestados de um vizinho prometendo remunerá-lo com um juros de 3,78% ao ano. Parte desse dinheiro Dumuzi-gamil destinava a pequenos empréstimos com juros de 20% ao mês.

Cair no juros do cheque especial não é uma boa ideia – e isso é verdade há pelo menos 3700 anos.