Nunca na história a eleição para a presidência de um banco multilateral mobilizou ou assombrou tanta gente. O anúncio da candidatura dos Estados Unidos para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ganhou relevância inédita. Quase todos os dias é possível ver um movimento contrário ao nome do americano Mauricio Claver-Carone para o comando da instituição, que em 2019 teve uma carteira de 54,2 bilhões de dólares.
Mas qual seria a razão para tamanha rejeição? Apenas o antiamericanismo atávico explicaria a aversão ao nome daquele que é o principal assessor de Donald Trump para América Latina? Com certeza não.
Para quem Claver-Carone seria uma ameaça à frente do BID? O clichê é inevitável, mas não há como não citar Venezuela, Cuba e a longínqua China.
As pessoas nunca prestaram atenção nas eleições anteriores porque o BID, como uma espécie de banco “amigão”, estava ali para ajudar todo mundo, e colocava dinheiro na mão de governantes locais – não preciso descrever aqui a qualidade da maioria deles – por meio do financiamento de projetos cujo impacto local era mais eleitoral que desenvolvimento.
Evo Morales, por exemplo, antes de ser retirado do poder depois da fraude eleitoral que seu partido comandou na Bolívia, recorreu ao BID para cobrir os gastos de seus programas populistas de distribuição de renda e arcar com a pesada folha do funcionalismo. Já Argentina e Equador, países para os quais ninguém sem sã consciência emprestaria um centavo, encherem seus cofres com recursos associados a projeto algum. Dinheiro sem carimbo para seus presidentes usarem em meio à crise.
Quem se acostumou com a fonte de dinheiro fácil tem medo de que, em uma gestão de Claver-Carone, as regras mudem. E tudo indica que podem mudar.
Mas quem mais se assusta e perde com os planos do descendente de cubanos que quer transformar o BID em uma das frentes de desmobilização da influência chinesa na América Latina e no mundo é Pequim. E com razão. Talvez seja por isso que as engrenagens da China estejam rodando por trás de toda a campanha contra Claver-Carone no BID.
Em mais de uma oportunidade, o candidato disse que redesenharia o modelo de investimentos do BID. Pelo o que ele deixa transparecer, o BID investirá menos em “perfumaria” e passará a atuar em parceria com outras fontes de financiamento do governo americano, a fim de empreender uma reforma profunda na infraestrutura da região e na criação de condições para transferência de cadeias de valor, hoje localizadas na China, para as Américas Central e do Sul.
Quem ganha e quem perde em uma mudança desse nível fica claro. Ou pelo menos deveria. No continente masoquista, porém, há uma profusão de especialistas que acham que se trata de um mau negócio para região. Veem a imagem de Claver-Carone como a de um imperialista que, lá de Washington, planeja dominar as terras do sul. Não enxergam ou, convenientemente, não querem enxergar que o que está por vir é um mau negócio apenas para os chineses.
Mas ao contrário de festejar a possibilidade de uma onda de investimentos e geração de empregos sem precedentes na região, ex-presidentes, ex-ministros e professores se engajaram em uma frente com tons meio masoquistas. Trata-se de algo que não dá para saber ao certo, mas que vem acompanhado com um amor ardente por Pequim. Uma relação ao estilo “Cinquenta tons de China”, muitas vezes.
Renunciar à oportunidade de industrializar a região para proteger interesses chineses não tem outro sentido que não o de se colocar no eterno papel de dominado. Como tenho escutado cada vez mais de brasileiros: “os americanos já nos exploram; por que não os chineses?”.
Quando Claver-Carone avisa que planeja investir no redirecionamento das cadeias de valor para a América Latina ele não está apenas diluindo a influência da China, se é que os críticos latinos ainda não entenderam, pois industrializar a região causaria uma mudança profunda no que ela representa no hemisfério. A América Latina deixaria de ser uma fonte de problemas para se converter em uma de soluções.
A multidão de maltrapilhos que em 2018 deixou suas casas na América Central e marchou rumo à fronteira dos Estados Unidos dominou o noticiário global e conquistou a adesão de muita gente que se compadeceu com o sofrimento dos migrantes. A reação mais comum foi a de criticar os insensíveis que pelo caminho atrapalharam o livre transcurso da marcha e, mais do que ninguém, os americanos que mantiveram as portas fechadas para multidão de centro-americanos que buscavam por uma vida melhor.
A questão-chave é negligenciada. Quase que na totalidade dos casos, as migrações são resultado de um ato de desespero, sofrimento ou desalento. Nada disso tem a ver com um sentimento comum: o da esperança, que está diretamente associada ao destino, ao futuro. Quem abandona parte da família, propriedades, amigos, sabores e uma série de outros valores afetivos quase sempre não o faz de bom grado.
No caso dos centro-americanos, a raiz do problema é um quadro horroroso de se ver. Ignorando aqui o fato de que a marcha dos migrantes foi um ato promovido por organizações criminosas e políticos bolivarianos, a América Central é um inferno. El Salvador tem a maior taxa homicídios do planeta e a vizinha Honduras tem, simplesmente, a segunda maior.
O ideal não é pensar que essas pessoas que marcharam rumo aos EUA estavam em busca de uma vida melhor, mas que estavam fugindo de uma vida terrível. Isso vale para os venezuelanos, que protagonizam a maior crise humanitária do Ocidente, e haitianos, para ficar nos exemplos mais extremos.
São raros os momentos em que a região pode obter benefícios reais de uma queda-de-braço entre gigantes. Não é possível prever em que nível Claver-Carone conseguiria implementar o plano de expansão industrial na América Latina, mas, definitivamente, essa não deveria ser uma política contra a qual os latino-americanos deveriam ser contra. Não faz sentido. Mas a América Latina mais uma vez tende a vacilar. É a velha tentação de quem prefere seguir recebendo ajuda a construir a própria independência.
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