O Departamento de Justiça dos EUA definiu os crimes que a Odebrecht confessou ter cometido como “o maior caso de suborno internacional da história”| Foto: Nelson Almeida/ AFP
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"O maior caso de suborno internacional da história". Foi assim que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos definiu os crimes que a própria Odebrecht confessou ter cometido. Para limpar a sua barra, a empreiteira baiana entregou para as autoridades americanas nomes, provas, listas de valores de pagamentos de mais de US$ 1 bilhão em propinas em doze países. A lista latino-americana inclui, além do Brasil, Argentina, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. Do outro lado do Atlântico, na África, Moçambique e Angola.

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A Odebrecht confessou ter distribuído US$ 35 milhões em propinas durante o governo de Cristina Kirchner. Também assumiu ter participado com US$ 2 milhões do caixa dois na campanha do presidente Juan Manuel Santos. Na Venezuela foi uma festa. A companhia brasileira ajudou os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro a roubar pelo menos US$ 98 milhões, que ela reconheceu ter pagado ao regime por baixo da mesa.

Nos acordos firmados no Brasil, a Odebrecht apresentou uma conta diferente e absolutamente sem paralelo na história da roubalheira nacional. Por meio do famigerado Departamento de Operações Estruturadas – nome que davam ao setor que operava a roubalheira –, a Odebrecht confessou o pagamento de US$ 3,3 bilhões entre os anos de 2006 e 2014. Uma montanha de dinheiro que naquele 2017, quando as delações se tornaram públicas, superava o Produto Interno Bruto de 33 países, entre eles Guiana e Belize. Não era apenas o "maior caso de corrupção da história". Os números e os atores envolvidos apontavam para outra coisa.

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A Operação Lava Jato, que descobriu a maior estrutura de corrupção que se tem notícia, não deu alguns passos necessários para além do que estava na superfície da roubalheira. E por ter tratado os esquemas descobertos por eles como sendo de corrupção clássica, cortaram uma cabeça do monstro e não perceberam que no lugar dela nasceriam outras duas.

A megaestrutura de crime transnacional instalada no Brasil não se valia da corrupção apenas como um meio de enriquecimento ilícito, como equivocadamente a maioria foi levada a acreditar. O produto principal das engrenagens criminosas das empreiteiras brasileiras, políticos e governos de mais de uma dúzia de países indica que a corrupção era um método de captura das instituições de Estado e de poder. Principalmente poder.

Diante do que estava (e está em curso) o apartamentinho no Guarujá ou o Sítio de Atibaia são coisas de "petequeiro" – como o então deputado Roberto Jefferson definiu o diretor dos Correios que recebia propina de R$ 3.000 e deu início ao escândalo do Mensalão.

A ação direta do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ajudar a entender a diferença entre a corrupção clássica e a corrupção como método. Em El Salvador, o presidente Mauricio Funes foi eleito em 2009 como resultado de um projeto de Lula. Em sua delação, Mônica Moura – mulher e sócia de João Santana (que por sinal reapareceu nesta semana ao lado de Ciro Gomes anunciado como novo marqueteiro do PDT), o Partido dos Trabalhadores pagou integralmente os custos da campanha de Funes, por meio da Odebrecht.

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Mônica contou ainda como as eleições de Chávez, em 2012, e de Nicolás Maduro, em 2013, foram abastecidas por meio da estrutura montada pela Odebrecht que atuava sob a coordenação do PT. Em janeiro de 2011, logo depois de deixar a presidência, Lula se reuniu com o embaixador da Venezuela no Brasil para definir como seria a campanha de Chávez. Para Lula, "uma derrota de Chávez em 2012 seria igual ou pior que a queda do muro do Berlim". Para evitar a "tragédia", Lula escalou João Santana para comandar a campanha, paga com dinheiro oriundo da Odebrecht.

Mas as ações políticas não explicam sozinhas porque o modelo de corrupção descoberto pela Lava Jato vai muito além da comissão em obras, propinas, subornos e superfaturamento. Os ingredientes típicos da roubança tropical.

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Quando os dados da tabela de pagamentos do núcleo da propina da Odebrecht são cotejados com os balanços da companhia há uma distorção perturbadora. Em quatro anos, o volume de dinheiro movimentado pela companhia no Departamento de Operações Estruturadas foi maior que o lucro líquido declarado. Como é possível?

A explicação não é simples ou evidente. Mas há pistas que indicam que chamar de corrupção o que a Lava Jato quase descobriu é uma liberalidade inocente.

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O primeiro ano a apresentar esta distorção foi o de 2006. Lula vinha para a reeleição chamuscado pelo escândalo do Mensalão. Vencer era uma questão de vida ou morte para ele, o PT e a esquerda latino-americana.

A próxima anomalia foi registrada em 2011, primeiro ano do governo Dilma Rousseff. As delações indicam que parte dos US$ 520 milhões movimentados no caixa dois da Odebrecht serviram para pagar dívidas da campanha da presidente.

O terceiro ano em que a empreiteira lucrou menos do que pagou na sua máquina clandestina de corrupção e lavagem de dinheiro foi 2013. Uma ano-chave na Venezuela, quando Nicolás Maduro se elegeu para dar sequência ao legado de destruição de seu antecessor e criador Hugo Chávez.

Por fim, 2014. O ano da reeleição de Dilma. A Odebrecht reconheceu ter realizado pagamentos ilegais na ordem de US$ 450 milhões naquele ano. Enquanto o seu lucro líquido registrado em balanço foi US$ 211 milhões.

Em alguns casos, como na República Dominicana, o "suborno" assumido pela empreiteira brasileira superou em mais de um terço o valor do contrato. Por mais que possa ter havido corrupção – e houve – não é possível justificar tamanho fluxo financeiro apenas como sendo roubalheira.

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A Lava Jato dormiu no ponto. O esquema desmontado por ela não afetou apenas os ganhos dos petequeiros e tubarões da política latino-americana. Há sinais claros de que interrompeu os dutos entre Estados criminalizados, partidos e projetos de poder. Circulou muito mais dinheiro do que a simples corrupção seria capaz de justificar.

Enquanto o pessoal de Curitiba festejava os avanços e o apoio popular em torno da Lava Jato, os bandidos se multiplicavam. E tal qual no mito da Hidra, as cabeças que surgiram da degola feita pelos procurados foram fatais. Devoraram a operação.

Lula se livrou por "questões meramente processuais" e a Lava Jato virou a vilã do Brasil. Na sessão do Supremo Tribunal Federal que gravou a lápide da operação, o ministro Ricardo Lewandowski reproduziu uma das teses mais cafajestes que os "críticos" da Lava Jato há tempos tentam emplacar. A de que o combate à corrupção quebrou o Brasil. A lógica de que o paciente morre de quimioterapia e não de câncer. O triste é que tem muita gente que já se convenceu. Realmente é muito triste.