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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

América Latina

A crise na Venezuela não é um jogo de futebol

Bandeira do Brasil hasteada na residência do embaixador argentino, em Caracas (Venezuela). (Foto: Henry Chirinos/EFE)

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Nicolás Maduro expulsou os diplomatas dos países que se recusaram a fazer parte da farsa que seu regime chama de “eleições”. As representações da Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai fazem parte do clube dos indesejados. Maduro não quer conversa com quem não ratifica sua fraude - sua mais nova fraude.

O Brasil finge ter cautela. Enquanto mostra isenção, na busca de uma “solução pacífica”, move suas cartas sob a mesa. Nada de anormal, diga-se. No mundo da política e da diplomacia nem tudo se dá sob a luz, mas no caso é evidente que existem “dois Brasis”. O que diz defender a democracia e o que trabalha pela manutenção do regime. Só não vê quem não quer.

Um dos atentados da inanição intelectual e moral de setores da imprensa, da academia e de muitos políticos no Brasil, ficou patente no episódio da transferência da custódia da Embaixada da Argentina em Buenos Aires. 

O hasteamento da bandeira brasileira no mastro onde antes flamulava o pavilhão argentino, foi tratado quase como um evento de futebol. Houve até quem publicasse em suas redes o craque Lionel Messi usando a camisa da seleção brasileira de futebol (em minúsculas assim mesmo, devido ao desempenho dos últimos anos) para representar a humilhação.

Para muitos abobalhados, o mundo deu voltas e mostrou para o ultra-libertário Javier Milei que, ao fim do dia, ele e seu país dependem da proteção do “comunista” Lula, fazendo referência aos vários xingamentos que o argentino desfere contra o presidente brasileiro. Ao pedir arrego ao Brasil, Milei acabou tomando uma lavada do país, no campo da diplomacia e da política. Será que foi isso mesmo?

Para os torcedores brasileiros (e não estou falando de futebol) tudo dentro do Brasil se resume a Lula e Bolsonaro. E tudo para além das fronteiras do Brasil só é interpretado segundo essa mesma lógica da polarização. Sob esse vício de percepção tudo parece um jogo de futebol.

Nesse clássico Brasil x Argentina, o que aconteceu de fato é que o Brasil levou uma lavada.

Os argentinos não entregaram para os brasileiros a guarda de um prédio. Mas a responsabilidade pela proteção de seis cidadãos venezuelanos que estão abrigados na Embaixada Argentina. Aliados do círculo mais próximo de Maria Corina Machado, que têm contra si ordens de prisão emitidas pelo regime de Maduro.

Não deveria ser necessário relembrar para torcida brasileira, mas se eles forem presos serão enviados para as masmorras do regime onde todos os opositores políticos foram submetidos à ordem de violência física e psicológica, também conhecidas como torturas. Alguns até foram mortos.

Qual foi o grande lance dos argentinos? Entregaram para o Brasil a guarda dessas vidas. A escolha não poderia ser melhor. O Brasil, sob Lula, é um aliado de Maduro. Mas, apesar disso, não pode abraçar o ditador de vez. Isso porque Lula e o PT são uma coisa, o povo brasileiro é outra. 

Lula e o PT amam Maduro e outros ditadores da mesma espécie. Mas o povo brasileiro não

A diplomacia brasileira, sob Lula, PT e Celso Amorim, se transformou em um puxadinho dos interesses Sul-Sul de Nicolás Maduro, Vladimir Putin, aiatolá Khamenei e Xi Jinping. Mas não dá para não fazer bem o trabalho de proteger quem está sob a sua guarda. 

Se Maduro invadir as instalações sob a responsabilidade do Brasil, forçaria um divórcio com seu principal aliado regional. Milei e sua chancelar Diana Mondino criaram a melhor barreira de proteção possível para os perseguidos do regime que estavam sob a sua guarda.

Foi gol. Foi gol da Argentina.

Maduro de direita?

Mudando de assunto... Há um movimento crescente para pintar Nicolás Maduro como um ditador de direita. Sim, de direita. Para ser preciso igualzinho ao arquétipo de Jair Bolsonaro. A lista de semelhanças é longa e eu me recuso a gastar uma linha que seja para descrevê-las e tentar analisá-las. Não sou psiquiatra.

Focarei em um tema que é centro da estratégia: o fator militar.

Em 2022, postei um vídeo que atingiu mais de 3 milhões de visualizações, no qual a ex-presidente explica como Chávez conseguiu se manter no poder. Ela resume: “O chavismo fez uma aposta no exército”.

Como eu já citei anteriormente, muita gente teimou em interpretar a fala da ex-presidente por meio da lente opaca da polarização. O resultado, apesar do alerta da ex-presidente Dilma Rousseff de que Brasil e Venezuela são realidades distintas, foi de que os militares brasileiros estavam cooptados pelo bolsonarismo para dar um golpe.

A ex-presidente não entrou em detalhes, mas sabe muito bem do que diz. E eu vou tentar esclarecer. 

Em 1992, Hugo Chávez usou as Forças Armadas para tentar um golpe. Deu errado e ele foi parar na cadeia. 

Em 2002, Hugo Chávez sofreu um golpe militar relâmpago, acabou resistindo no poder, mandou os golpistas para cadeia e descobriu que o ingrediente militar era um problema potencial. Então o que ele fez? Chávez destruiu as Forças Armadas de seu país. Foi exatamente isso que ele fez. É exatamente isso que Dilma disse.

Erra quem pensa que Chávez e Maduro montaram um regime militar de esquerda (que alguns agora querem chamar de direita, por miopia da lente monocromática do petismo x bolsonarismo que resume o mundo para muitos).

Qual foi o caminho? Chávez atuou em várias frentes de forma transversal. Ao mesmo tempo em que equipava seus militares com armamentos russos e chineses, dando a eles um poderio jamais visto no país, mudou a doutrina embutido nas academias teorias de seu “socialismo do século 21”, teorias do islã político e visões antiocidentais. 

Promoveu centenas e centenas de oficiais ao generalato, criando uma elite cooptada por benefícios que passou não só a permitir como a colaborar com a mudança da cultura militar. 

A Venezuela tem mais de 2 mil oficiais generais. Uma elite com acesso aos benefícios do Estado que passou a servir ao regime e não ao país

Foi nesse contexto que Chávez conseguiu implodir a reputação de suas forças militares ao engajá-las diretamente no tráfico de drogas (lembram-se do Cartel dos Sóis), sob o pretexto de “guerra irregular” contra os Estados Unidos.

Chávez e Maduro transformaram seus militares em aparatos de “repressão secundária”, que atuam como força auxiliar das milícias bolivarianas e colectivas, que são os atores ativos da repressão e violência.

Maduro não tem um regime militar. Os “militares” de Maduro - que de militar tem apenas a farda, as armas e a técnica - se transformaram em peças do regime. 

É constrangedor ver figuras de relevo internacional e a oposição conclamando uma insurgência sob o comando do ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Como se ele fosse um ator isento e não um beneficiário, e parte de um Estado criminalizado tomado por corruptos, máfias e autocratas.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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